Que é Ser Feliz? - Huberto Rohden


Felicidade – é este o clamor de toda a creatura.
Todo o resto é meio – somente a felicidade é um fim.
Ninguém deseja ser feliz para algo – quer ser feliz para ser feliz.
A felicidade é a suprema auto-realização do ser.
Que é ser feliz?
Ser feliz é estar em perfeita harmonia com a constituição do Universo, seja consciente, seja inconscientemente.
A natureza extra-hominal é inconscientemente feliz, porque está sempre, automaticamente, em harmonia com o Universo.
Aqui na terra, somente o homem pode ser conscientemente feliz – e também conscientemente infeliz.
A natureza possui, por assim dizer, uma felicidade neutra, ou inconsciente – o homem pode possuir uma felicidade positiva ou uma infelicidade negativa. Com o homem começa a bifurcação da linha única da natureza; começa o estranho fenômeno da liberdade no meio da universal necessidade.
A natureza só conhece um dever compulsório.
O homem conhece um querer espontâneo, seja rumo ao positivo, seja rumo ao negativo.
O desejo universal é a felicidade – e, no entanto, poucos homens se dizem felizes. A imensa maioria da humanidade tem a potencialidade ou possibilidade de ser feliz – poucos têm a felicidade atualizada ou realizada. Poder-ser-feliz é uma felicidade incubada, porém não nascida – ser-feliz é uma felicidade eclodida.
Qual a razão última por que muitos homens não são felizes, quando o poderiam ser?
Passam a vida inteira, 20, 50, 80 anos marcando passo no plano horizontal do seu ego externo e ilusório – nunca mergulharam nas profundezas verticais do seu Eu interno e verdadeiro. E, quando a sua infelicidade se torna insuportável, procuram atordoar, esquecer, narcotizar temporariamente esse senso e
infelicidade, por meio de diversos expedientes da própria linha horizontal, onde a infelicidade nasceu. Não compreendem o seu erro de lógica e matemática: que horizontal não cura horizontal – assim como as águas dum lago não movem uma turbina colocada ao mesmo nível. Somente o vertical pode mover o horizontal – assim como somente as águas duma cachoeira podem mover uma turbina.
Quem procura curar os males do ego pelo próprio ego, comete um erro fatal de lógica ou de matemática. Não há cura de igual a igual – mas tão-somente de superior para inferior, de vertical para horizontal.
Camuflar com derivativos e escapismos a infelicidade não é solucionar o problema; é apenas mascará-lo e transferir a infelicidade para outro tempo – quando a infelicidade torna a se manifestar com dobrada violência.
Remediar é remendar – não é curar, erradicar o mal.
A cura e erradicação consiste unicamente na entrada numa nova dimensão de consciência e experiência. Não consiste numa espécie de continuísmo – mas sim num novo início, numa iniciativa inédita, numa verdadeira iniciação.
Não se trata de “pôr remendo novo em roupa velha”, na linguagem do Nazareno; trata-se de realizar a “nova creatura em Cristo”, que é a transição da consciência do ego horizontal e ilusório para a consciência do Eu vertical e verdadeiro.
Todos os mestres da humanidade afirmam que a verdadeira felicidade do homem, aqui na terra, consiste em “amar o próximo como a si mesmo”. Ou então em “fazer aos outros o que queremos que os outros nos façam”.
Existe essa possibilidade de eu amar meu semelhante assim como me amo a mim mesmo?
Em teoria, muitos o afirmam – na prática poucos o fazem.
Donde vem essa dificuldade?
Da falta de verdadeiro auto-conhecimento. Pouquíssimos homens têm uma visão nítida da sua genuína realidade interna; quase todos se identificam com alguma facticidade externa, com o seu ego físico, seu ego mental ou seu ego emocional. E por esta razão não conseguem realizar o amor-alheio igual ao amor-próprio, não conseguem amar o seu próximo como se amam a si mesmo. Alguns, num acesso de heróica estupidez, tentam amar o próximo em vez de si mesmos, o que é flagrantemente antinatural, como também contrário a todos os mandamentos dos mestres da humanidade. Todos sabem que o amor-próprio de todo o ser vivo é a quintessência do seu ser; nenhum ser vivo pode
existir por um só momento sem se amar a si mesmo; esse amor-próprio é idêntico à sua própria existência.
Amor-próprio não é necessariamente egoísmo. Egoísmo é um amor-próprio exclusivista, ao passo que o verdadeiro amor-próprio é inclusivista, inclui todos os amores-alheios no seu amor-próprio, obedecendo assim ao imperativo da natureza e à voz de todos os mestres espirituais da humanidade.
Enquanto o homem marca passo no plano horizontal do seu ego, pode haver em sua vida guerra e armistício – mas nunca haverá paz. Armistício é uma trégua entre duas guerras; é uma guerra fria do ego, que amanhã pode explodir em guerra quente. O ego ignora totalmente o que seja paz. O ego de boa vontade assina armistícios temporários, o ego de má vontade declara guerra de maior ou menor duração – mas nem este nem aquele sabe o que seja paz.
Em vésperas da sua morte, disse o Nazareno a seus discípulos: “Eu vos dou a paz, eu vos deixo a minha paz.” E, para evitar qualquer confusão entre paz e armistício, logo acrescentou: “Não dou a paz assim como o mundo a dá. Eu vos dou a paz para que minha alegria esteja em voz, seja perfeita a vossa alegria, e nunca ninguém tire de vós a vossa alegria.”
Paz e alegria duradouras nada têm que ver com guerra e armistício, que são do ego, de boa ou má vontade; a paz e a alegria permanentes são unicamente do Eu divino no homem.
E onde não houver paz e alegria permanentes não há felicidade.
Onde não há auto-conhecimento, experiência da realidade divina do Eu espiritual, não há felicidade, paz, alegria. Enquanto o homem conhece apenas o seu ego físico-mental-emocional, vive ele no plano da guerra e do armistício; quando descobre o seu Eu espiritual, faz o grande tratado de paz e de alegria no templo da Verdade Libertadora.
Armistício, certamente, é melhor que guerra – mas não é paz, e por isto não garantem felicidade duradoura ao homem.
Por isto, o homem, no plano da guerra e do armistício infelizes, procura por todos os modos esquecer-se, por umas horas, por uns dias, por umas noites da sua falta de felicidade, dando caça desenfreada a todas as diversões; uns se narcotizam com dinheiro, negócios, comércio, indústria; com ciências e artes; outros ainda se embriagam com luxúria sexual, com álcool, e outros entorpecentes; outros, os mais ricos, viajam de país em país, de mar em mar, e, enquanto assim se esquecem da sua infelicidade, julgam ser felizes.
Praticam, no mundo espiritual, o mesmo charlatanismo que praticam no mundo material: reprimem os sintomas do mal, por meio de anestésicos e analgésicos
e nunca chegam a erradicar a raiz do mal, que seria o auto-conhecimento, e a subsequente auto-realização, que lhes dariam saúde e paz definitivas.
* * *
Os mestres também deixaram perfeitamente claro que esta paz durável, sólida, dentro do homem e entre os homens, não é possível no plano meramente horizontal do ego para ego, mas exige imperiosamente a superação desse plano, o ingresso na ignota zona da verticalidade do Eu. Os grandes mestres, sobretudo o Cristo, não convidaram os seus discípulos apenas para passarem de um ego de má vontade (vicioso) para um ego de boa vontade (virtuoso) – a mensagem central de todos os mestres tem caráter metafísico, ontológico, cósmico; é a transição de todos e quaisquer planos horizontais-ego para a grande vertical do Eu da sabedoria, do “conhecimento da Verdade Libertadora”. Quase todas as nossas teologias fazem crer que os mestres, e sobretudo o divino Mestre, tenha convidado os homens apenas para passarem da viciosidade para a virtuosidade – quando eles os convidaram para uma zona infinitamente além do vicioso e do virtuoso – para a região suprema da sabedoria, da compreensão do seu Eu divino, que eles chamam Pai, Luz, Reino, Tesouro, Pérola preciosa...
O ego de boa vontade é, certamente, melhor que o ego de má vontade – mas somente o Eu sapiente é que está definitivamente remido de todas as suas irredenções e escravidões. Somente a Verdade, intuída e vivida, é que dá libertação real e definitiva.
A felicidade, a alegria, a paz – são os frutos da Verdade Libertadora.

In O Caminho da Felicidade

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