Parsifal : o Mito e Wagner - Casa de Euterpe



 I – Breve Resumo da História


Dentro dos ciclos cavalheirescos da idade média, um dos mais complexos, pelo seu fecundo simbolismo e a sua inter-relação com outros mitos e lendas, é o chamado Ciclo do Graal.
As raízes da lenda perdem-se na história.
Segundo a tradição ocidental, o Graal tinha sido talhado pelos Anjos em uma esmeralda que se desprendeu da fronte de Lúcifer, no momento de sua queda. Pela própria origem, encontramos um paralelo entre o Graal e o Conhecimento.
Lúcifer é o portador da luz, velho mito que encontramos disseminado por muitos pontos da Terra (desde a Grécia com Prometeu, até a China com Sui-Yon). Os seus protagonistas são seres que trazem à humanidade o Fogo e a Luz, símbolos do Conhecimento.
O fato de a Esmeraldo estar na fronte vincula-se com o misterioso “Olho de Dagma” ou “Terceiro Olho” da tradição hindu e tibetana, que nos fala de épocas remotas em que existia na fronte um olho com o poder de penetração na matéria e permitia a clarividência.
Com a evolução, este olho interiorizou-se acabando por constituir o que hoje conhecemos por glândula pineal.
Posteriormente, o Graal foi confiado a Adão no paraíso e, mais tarde, após a sua expulsão, a seu filho Set.
A saída de Adão do paraíso é, na sua referência simbólica, a perda da consciência espiritual devida à queda no materialismo e, por conseguinte, a perda do conhecimento mágico do Graal representa.
O Graal aparece de novo na Palestina, na época de Jesus e é utilizado por este na Última Ceia, para celebrar o mistério da eucaristia.
Quando se realiza a crucificação no Gólgota (lugar onde, segundo as tradições, estava enterrado Adão, cujos ossos aparecem representados ao pé da cruz), depois da morte de Jesus, o centurião romano Longinus abre-lhe o flanco direito com a lança, e da ferida brota o sangue do redentor.
Este sangue é recolhido no Graal, e as gotas que caem em terra transformam-se em rosas (associação da Cruz à Rosa).
Depois da morte de Jesus, o santo Graal foi levado para a Grã-Bretanha por José de Arimateia e aqui se aparentam os dois grandes ciclos cavalheirescos – o do Graal e o do Rei Artur.
São os Doze Cavaleiros da Távola Redonda os encarregados de procurá-Lo e de transportá-Lo a Camelot, o reino de Artur. A referência astrológica entre os doze cavalheiros e uma mesa para depositar o Graal reflete a mesa da Ceia e os Doze Apóstolos.
Somente o cavaleiro número treze, Galaaz, o Branco e Puro, encontra o Graal.
Este cavaleiro inexistente (os cavaleiros eram doze), é o símbolo da unificação dos Doze da demanda do Graal ou do conhecimento esotérico, demanda que se refere ao processo iniciático de recuperação da consciência espiritual.
Somente quando se chega ao conhecimento alquímico da Pequena Obra (em branco) é que se pode ver o final do processo da Grande Obra ou Obra em Rubro (sangue do Graal) e o Cálice Sagrado seria o atanor alquímico de transformação que possibilitaria a ascensão da consciência ao paraíso celeste, perdido com a queda da matéria.
Em última análise, o Graal é um estado superior do homem. Não tem existência material e, tal como a pedra filosofal dos alquimistas, é dentro de si próprio que o homem deve procurá-lo.
Na idade média, a Lendo do Graal é interpretada em prosa e verso pelos trovadores de língua francesa e de língua alemã em conexão com velhas tradições religiosas e culturais dos seus países: mitos e lendas dos povos celtas e germânicos.
II – Fonte Escolhida para o Texto
A versão da lenda de Wolfran Von Eschenbach intitulada Parzifal, inspirada no texto de Walter da Aquitânia (Occitano) proporcionou a Richard Wagner, em finais do século XIX, a criação do seu genial drama místico em três atos “Parsifal”.
Partindo do texto de Eschenbach, Wagner deu ao tema a sua verdadeira densidade, elevando-o até à máxima exaltação mística e não se limitando a uma dramatização pura e simples.
Concentrando a ação dramática em três situações dominantes transformadas em visões cênicas, Wagner seguiu a linha de pensamento já patente em Goëthe, segundo a qual a obra de arte é concebida como revelação divina, expressa em ritual sagrado, único processo de redenção do homem.
III – Richard Wagner
Wilhelm Richard Wagner, compositor, maestro, intelectual, ativista político e representante do neorromantismo alemão, cuja obra influenciou a música ocidental. Wagner nasceu em uma família de artistas.
Viveu cerca de três anos em Paris e, em 1842, com 29 anos, retornou a Alemanha onde sua ópera "Rienzi" foi encenada.
Nomeado regente da ópera real, ocupou esse posto até 1849. Escreveu artigos defendendo a revolução alemã de 1848, que fracassou. Fugiu da Alemanha e não pode ver a primeira apresentação de "Lohengrin", feita por Liszt em 1850.
De 1849 a 1852 escreveu obras impressas como "Arte e Revolução", "A Arte do Futuro", "Uma comunicação a meus amigos", e "Opera e Drama", que delineou um novo tipo de teatro musical.
Dirigiu concertos da Filarmônica de Londres em 1855 e viveu em Zurique até 1858. Wagner acreditava na criação de uma música nacional que, baseada nos mitos de origem do povo alemão e na criação da identidade coletiva, fosse capaz de educar e formar um novo homem, uma nova sociedade. Abertamente antissemita, denunciou a "judaização" da arte moderna, conclamando por uma "guerra de libertação". Talvez por isso tenha sido o compositor preferido de Hitler.
Influenciado pela filosofia de Schopenhauer, escreveu "Tristão e Isolda"(1857-59), inspirado no seu perdido amor por Mathilde Wesendonk, que causou sua separação de sua esposa Minna. Devido a esse caso amoroso, trocou Zurique por Veneza.
Em 1859 foi a Paris, e, em 1861, anistiado, retornou à Alemanha e depois viajou para Viena, onde desenvolveu seu trabalho como compositor até 1864, quando teve de fugir para não ser preso, devido a débitos financeiros.
Chegou sem dinheiro em Stuttgart e quem o ajudou foi Ludwig 2o, o jovem rei da Bavária, seu grande admirador, que o chamou para viver em Munique. Wagner estava com 51 anos e pelos seis anos seguintes apresentou, com sucesso, suas óperas na capital da Bavária. Porém, novamente ficou endividado, além de tentar imiscuir-se na política do reino e de se tornar amante de uma filha casada de Liszt, que lhe deu três filhos, mesmo antes de se divorciar e casar-se com ele em 1870. O rei decidiu alojá-lo em Triebschen, no lago de Lucerna.
Em 1869 Wagner retomou o projeto da tetralogia "O anel dos Nibelungos". Convencido de que precisaria de um teatro especial para apresentar aquela obra, Wagner concebeu o Teatro Bayreuth, na Bavária, com o apoio do rei. O teatro foi inaugurado em 1876, com a apresentação do "O Anel dos Nibelungos".
Wagner permaneceu em Bayreuth, salvo viagens para concertos em Londres e na Itália. Durante esses anos ele compôs seu último trabalho, o drama "Parsifal", iniciado em 1877 e apresentado em 1882. Ditou para a esposa sua autobiografia e morreu em Veneza.
IV - Parcival: o Buscador
Sir Percival deve ser observado a partir de dois aspectos: o mítico buscador incansável, que se mantém constante e persistente em sua interminável busca do sagrado e o guerreiro esforçado e invencível, que finaliza sua empresa sagrada de um modo excepcional e se transforma em um herói.
Percival simboliza o homem peregrino, na busca do infinito, representa as sucessivas provas iniciáticas de todo candidato. Terríveis e desesperadas provas, mas que devem ser efetuadas com êxito para se ascender ao Santuário do Graal.
O jovem Percival vivia no coração de um bosque com sua mãe, viúva de Cavaleiro que odiava o canto dos pássaros e desejava separá-lo da visão do mundo exterior.
Um dia, o jovem viu passar cinco Cavaleiros que pensou fossem anjos, e, desse dia em diante, desejou participar como eleito da Távola Redonda. Não podendo evitar sua partida, sua mãe morreu de dor pela perda do filho. Esse foi o primeiro grande crime de sua inocência.
Ao chegar à Corte de Arthur, Percival venceu o Cavaleiro Vermelho e ficou com suas armas, sendo recebido na Távola Redonda.
Percival era um espírito inocente, pois proveniente do bosque (símbolo do erro e da escuridão do mundo e também da matriz da Mãe Universal).
Sua vocação para a cavalaria indica seu desejo de consagrar-se na busca da verdade. A mãe, símbolo da Natureza, tentou segurar o homem com suas miragens. A linguagem dos pássaros que, na tradição espiritual, simboliza a chamada da alma e a música primordial do espírito, representa os estados superiores do Ser. É o símbolo da espiritualização que à sua mãe aborrece, demonstrando, claramente, o desejo da matéria de enclausurar o espírito, evitando, assim, que o homem descubra a verdade da trama ilusória de Maya.
Percival possuía o desejo da iluminação e sua via era do coração. Por isso, escolheu as armas do Cavaleiro Vermelho que tem a cor do sangue e do sacrifício, entendido o termo “sacrificar” como “converter em sagrado”. Todavia, sua inocência era muito grande. Percival era puro, mas não sábio. A pureza deveria converter-se em sabedoria por meio do processo iniciático.
Após ser aceito na Ordem da Távola Redonda, Percival visitou Gonerman, o Homem Prudente, que lhe ensinou o ofício das armas e as virtudes da cavalaria.
Em sua busca pelo Graal, Percival chega ao Castelo do Rei Pescador que sofria de uma doença incurável. Ali, foi recebido em um grande salão, onde, assombrado, contemplou um empregado que segurava uma espada com sangue. De trás, uma donzela segurava o Santo Graal em suas mãos. Uma grande auréola deixava-se ver por toda a sala, quando o cortejo para em frente de Percival. Nesse momento, ele não se atreveu a fazer a pergunta:
- “A quem serve o Graal?”
Faltou-lhe coragem e com isso infringiu uma das leis sagradas da iniciação. Seu erro condenou o mundo a viver na escuridão e o homem, simbolizado pelo Rei Pescador, a sofrer o tormento de uma ferida que jamais se fecha.
Percival perdeu a memória de Deus e lutou em combates terríveis contra cavaleiros desconhecidos, vagando pela Terra como um vagabundo. Entrou, dessa maneira, no ciclo maturativo, uma vez que a inocência deveria ser ungida pela experiência.
Um dia, encontrou uma donzela vestida em farrapos que lhe comunicou que seus lábios não puderam abrir-se na presença do Graal em castigo por ter deixado sua mãe morrer pela dor de sua partida. Essa donzela representa a própria consciência interior que se coloca à frente das consequências cármicas de nossos atos.
No final de sua peregrinação, Percival foi liberado da ilusão de sua própria mente e, alçando a iluminação, percebeu diante de si a imagem do Castelo Virtuoso. O Graal apareceu de novo e, dessa vez, ele ousou fazer a pergunta. Nesse instante, o Rei Pescador recuperou a saúde e o designou como legitimo sucessor.
A lenda afirma que Percival morreu no momento da contemplação do Graal. Tal acontecimento pode significar a morte da personalidade ante o alcance da plenitude espiritual, interior, representada pelo Graal.
V – Parsifal by Richard Wagner
“Nesta ceia fraternal, preparada dia a dia, assim como na última vez, seremos também hoje confortados. Quem pelo bom ato se alegra pela Ceia será renovado: receberá conforto e ganhará o dom supremo”. (‘Parsifal’ – Ato I. Segunda Parte. Richard Wagner).
O ‘Parsifal’ de Wagner, tem início num cenário próximo ao Castelo de Montsalvat. Este é um lugar de paz, onde toda vida é sagrada e os animais e aves não sentem temor algum porque os cavaleiros do Graal, como quaisquer homens verdadeiramente santos, são inofensivos e inocentes, que não matam para comer, e tampouco por esporte, aplicando a todos os seres viventes a máxima: “Vivei e deixai viver”.
Aurorea e Gunermanz, o mais velho dos cavaleiros do Graal, encontra-se sob uma árvore, com dois escudeiros. Despertando de seu repouso noturno, vêem à distância Kundry aproximando-se, galopando num cavalo selvagem. Vemos em Kundry a criatura de dupla existência, uma como servidora do Graal, ansiando servir por todos os meios ao seu alcance aos desígnios dos cavaleiros do Graal, e esta parece ser sua verdadeira natureza.
A outra existência é vivida como escrava involuntária do mago negro Klingsor, forçada a tentar e mortificar aos cavaleiros do Graal, a quem deseja servir. O portal entre uma e outra existência é a porta do “sono”; e se vê obrigada a servir quem a encontra e a desperta. Se for Gunermanz, torna-se a fiel servidora do Graal; mas, se Klingsor a evoca por meio de suas bruxarias, vê-se forçada a servir aos seus intentos maléficos, quer ela queira ou não.
Na primeira parte do drama, Kundry veste uma túnica de peles de serpentes, símbolo da doutrina do renascimento (¹), porque assim como a serpente cria nova pele capa após capa, e a exsuda de si mesma, assim também o Ego* (2), no processo evolutivo de seu desenvolvimento, desprende de si mesmo, qual serpente, um corpo após outro, abandonando cada veículo quando ele se torna endurecido e cristalizado, ou seja, quando perde a sua eficiência.
O renascimento (*) está associado ao ensino da Causalidade, a lei que nos traz os frutos de tudo o que semeamos. É a lei explícita nas palavras de Gunermanz, quando o seu jovem escudeiro expressa sua desconfiança em Kundry, e então Gunermanz responde:
“Ela pode estar sob alguma maldição /Fruto de alguma vida passada que não vemos, /Buscando libertar-se do pecado, /Por meio de obras que lhe parecem boas… /Certamente ser-lhe-á benéfico seguir assim, /Ajudando-se a si mesma quando a outros ajuda”.
Quando Kundry entra em cena, retira do seio um frasco dizendo que o traz da Arábia, esperando seja um bálsamo para o ferimento no flanco de Amfortas, o rei do Graal, cuja ferida lhe causa sofrimentos indizíveis e jamais pode ser curada. O rei enfermo é trazido então reclinado numa liteira; irá banhar-se no lago próximo, como o faz diariamente, onde dois cisnes nadam, convertendo as águas numa poção balsâmica para seus terríveis sofrimentos.
Amfortas agradece a Kundry, mas diz que acredita não haver alívio para ele enquanto não vier o libertador, profetizado pelo Graal: “Um tolo virgem, inocente, iluminado pela compaixão”. Mas Amfortas pensa que a morte chegará antes da libertação. Quando retiram Amfortas, quatro dos jovens escudeiros agrupam-se ao redor de Gurnemanz, rogando-lhe que lhes conte a história do Graal e a ferida do rei Amfortas. Todos se recostam sob a árvore, e então Gurnemanz começa:
“Na noite em que nosso Senhor e Salvador, Cristo Jesus, celebrou a última ceia com os discípulos, bebeu o vinho de certo cálice mais tarde usado por José de Arimateia para recolher o sangue vital que fluía da ferida no flanco do Redentor. Guardou também a lança sangrenta com a qual o feriram, levando consigo essas relíquias, enfrentando muitos perigos e perseguições.”
“Por último, essas relíquias ficaram sob o encargo dos anjos, até que certa noite um mensageiro místico enviado por Deus a Titurel, pai de Amfortas, pediu-lhe para construir um castelo a fim de recebê-las e guardá-las em segurança. Ele construiu então o castelo de Montsalvat numa elevada montanha, e ali depositadas as relíquias sob sua custódia e a de um grupo de cavaleiros santos e castos que se lhe agregaram. E Montsalvat converteu-se por fim num centro de poderosas influências espirituais, que fluíam para o mundo exterior…”
“Todavia, longe dali, vivia num vale pagão um cavaleiro negro que, embora não fosse casto, desejava tornar-se um cavaleiro do Graal, e para esse fim castrou-se, privando-se da capacidade de gratificar suas paixões, mas estas subsistiam. E o rei Titurel, ao ver o coração desse homem cheio de negros desejos, recusou admiti-lo. Klingsor jurou então que se não podia servir o Graal, o Graal o serviria.”
“E construiu um castelo rodeado de um jardim mágico, repleto de donzelas de extraordinária beleza e recendendo a um perfume como o das flores. E desse modo, como os cavaleiros do Graal precisavam atravessar o jardim mágico ao sair ou voltar a Montsalvat, eram tentados a sentir desejos de violar o voto de castidade e o juramento de fé, convertendo-se assim em prisioneiros de Klingsor, e poucos restaram como fiéis defensores do Graal.”
“Nesse ínterim, Titurel havia confiado a custódia do Graal ao seu filho Amfortas e este, vendo os sérios inconvenientes produzidos por Klingsor, decidiu sair para combatê-lo. Para esse fim levou consigo a lança sagrada. O astucioso Klingsor, porém não foi ao encontro de Amfortas em pessoa, e sim evocou a Kundry, transformando magicamente sua aparência hedionda, como aparece quando servidora do Graal, numa mulher extremamente bela.”
Dominada pela sórdida magia de Klingsor, Kundry vai ao encontro do rei Amfortas e tenta-o, até ele render-se em seus braços, deixando cair a lança sagrada. Klingsor aparece então, apodera-se da lança e fere ao rei indefeso. E Amfortas seria aprisionado, se não fosse os heróicos esforços de Gunermanz. Não obstante, Klingsor conseguiu manter em seu poder a lança sagrada, e Amfortas desde então retorce de dor, porque a ferida não pôde mais ser curada”…
Nesse ponto da história, os jovens escudeiros erguem-se exaltados, afirmando que irão vencer a Klingsor e recuperarão a lança sagrada. Gunermanz meneia tristemente a cabeça, dizendo que essa tarefa está mais além de as forças deles; reitera, porém a profecia de que a redenção de Amfortas será efetuada por “um tolo, puro e iluminado pela compaixão”.
Ouvem-se então gritos: ‘O cisne! Oh, o cisne!’ - Efetivamente um cisne esvoaça e revoluteia por instantes, caindo morto aos pés de Gunermanz, enquanto os jovens escudeiros se agitam ao assistir a tudo isso. E logo outros escudeiros trazem um jovem vigoroso, armado de arco e flechas, e Gunermanz o interroga com tristeza:
“Por que mataste esta inocente criatura?” E o moço responde de modo ingênuo, inocente: “Fiz algum mal?” – Gunermanz então lhe fala sobre o rei enfermo e da parte exercida pelo cisne no preparo do banho sanativo. Suas palavras comovem profundamente a Parsifal, levando-o a quebrar o seu arco…
- Em todas as religiões, o espírito vivificador tem sido representado simbolicamente como uma ave. No batismo, quando o corpo de Jesus estava na água, o Espírito de Cristo desceu a ele como uma pomba. “O Espírito move-se sobre as águas”, o meio fluídico, assim como os cisnes se movem na água do lago sob o Yggdrasill, a árvore da vida na mitologia norueguesa ou sobre as águas do lago na lenda do Santo Graal.
A ave representa a influência espiritual direta mais elevada, e por essa razão os cavaleiros bem podiam lamentar sua perda. A Verdade é múltipla. Há pelo menos sete interpretações exatas de cada mito, uma para cada mundo, e olhado do ponto de vista material, a compaixão gerada em Parsifal ao quebrar o seu arco, marca um passo definido na vida superior.
Ninguém pode ser verdadeiramente compassivo nem tampouco auxiliar na evolução, enquanto mate para comer, quer pessoalmente ou por meios indiretos. Viver de modo inocente, sem causar dano a nenhum ser, é pré-requisito absolutamente essencial para participar da vida auxiliadora.
Gunermanz começa a interrogar Parsifal sobre si mesmo; quer saber quem é e como veio a Montsalvat. Mas, Parsifal demonstra uma ignorância surpreendente. A todas essas perguntas, responde: “Eu não sei”.
Por fim, Kundry se adianta e diz: “Eu posso dizer-lhes quem ele é. Seu pai era o nobre Gamuret, um príncipe dos homens que morreu lutando na Arábia, quando o filho estava ainda no seio de sua mãe, a senhora Herzleide”. Ao expirar, Gamuret deu ao filho o nome de Parsifal, o tolo casto. E a mãe, temendo que aprendesse a arte da guerra e o levassem, conduziu-o para um denso bosque onde foi mantido na ignorância das armas e da guerra.
E Parsifal concordando, diz: “Sim, um dia vi alguns homens cavalgando bestas informes, e quis ser como eles; por isso os segui durante muitos dias até que por fim cheguei aqui e tive que lutar com muitos homens monstruosos”.
- Na história, pinta-se um quadro excelente da alma investigadora das realidades da vida. Gamuret e Parsifal figuram diferentes fases da vida da alma. Gamuret é o homem do mundo que, a seu tempo, ligou-se a Herzleide. Herzleid [do alemão, herz, coração, e leid, sofrimento], ou, em outras palavras, “aflição do coração”.
Conhece a dor e morre para o mundo, como o fazem todos os que se voltam para a vida superior. Enquanto o barco de nossa existência navega por águas tranqüilas e a vida nos parece esplêndida, não há canto suficientemente doce que possa encaminhar nossos passos para a vida superior. Todas as fibras de nosso corpo gritam: “Isto é suficiente bom para mim”.
Quando, porém as garras da adversidade nos ferem, quando cada onda ameaça tragar-nos, experimentamos então a dor do coração, que nos torna entristecidos, homens prontos para nascer como Parsifal, o tolo puro e casto, isto é, a alma que volta às costas a sabedoria do mundo e sai em busca das coisas do espírito, tornando-nos assim um pobre de espírito, um tolo ante os olhos do mundo.
Deixa para trás tudo o que se refere à vida passada, inclusive as tristezas, tal como Parsifal deixou Herzleide (a aflição do coração). E se diz que morreu, porque ele não mais se voltou para ela. Assim também morre a tristeza, quando a alma anelante nasce e afasta-se do mundo, embora nele permaneça para cumprir com seus deveres, ainda que não pertença mais ao mundo.
Nesse ínterim, Gunermanz, intuindo que Parsifal é o libertador de Amfortas, leva-o pela senda que conduz ao castelo do Graal. E quando Parsifal pergunta-lhe quem é o Graal, Gunermanz responde:
“Não te o direi; mas se Ele é que está a ti guiar,
A Verdade oculta, diante de ti se desvelará.
Para mim, o teu rosto até me parece familiar,
Pois a Ele nenhuma senda pode levar,
E ao buscá-la somente mais se distanciará,
Salvo se for Ele mesmo quem está a ti guiar”.
Wagner leva-nos aqui aos tempos pré-cristãos, porque antes do advento de Cristo, a iniciação não estava aberta para “quem a quisesse”, e sim reservada ou concedida a certos eleitos, em troca de certos privilégios especiais por dedicar-se ao serviço do templo, como no caso das castas dos levitas e dos brâmanes.
A vinda de Cristo, porém produziu mudanças definidas na humanidade, e agora todos podem ingressar na senda da iniciação. Certamente, isto passou a ocorrer desde o momento em que os matrimônios internacionais acabaram com as castas.
E voltemos ao castelo do Graal: Amfortas se vê importunado de várias maneiras para que realize o sagrado rito do serviço ao Graal, desvelando o cálice sagrado, a fim de que, ao contemplá-lo, o ardor e ânimo dos cavaleiros sejam renovados para continuar prestando o seu serviço espiritual.
Amfortas, porém estremece de temor e angústia, pois sabe que o simples fato de ver o Graal, causar-lhe-á sofrimentos indizíveis; a ferida em seu dorso continuaria jorrando sangue ante a sua presença, do mesmo modo que a ferida do remorso também nos aflige e oprime quando pecamos contra o nosso ideal.
Por fim, cedendo aos rogos conjuntos de seu pai e de seus cavaleiros, celebra o sagrado rito, sofrendo, durante o ritual, espantosas angústias. Parsifal, postado a um canto, assiste a tudo e sente por empatia as mesmas dores, sem compreender por quê. Ao término da cerimônia, ansioso, Gunermanz pergunta-lhe o que viu, mas Parsifal está ainda estonteado e permanece em silêncio. Irritado, por sentir-se frustrado em suas esperanças, Gunermanz então o expulsa do castelo…
As emoções e sentimentos não controlados pelo conhecimento, são mananciais de tentação. A própria inocência da alma, faz com que seja presa fácil do pecado. Por isso, para o crescimento anímico, torna-se necessário existir as tentações, para revelar e fortalecer-nos contra nossos pontos débeis.
Quando cairmos, sofreremos como Amfortas, mas o sofrimento desenvolve a consciência, traz a rejeição pelo pecado e saímos fortalecidos contra a tentação. As crianças são inocentes porque ainda não foram tentadas. Só quando somos tentados e permanecemos puros, ou se caímos, arrependemos e reformamo-nos, podemos tornar-nos virtuosos. Parsifal, portanto, devia ser tentado…
No Segundo Ato, vemos Klingsor no momento em que evoca a Kundry, porque espreitara Parsifal vindo em direção ao castelo, e o teme mais do que a qualquer outro, por saber ser ele um tolo. Um homem sabiamente mundano poderia cair facilmente nas ciladas das jovens-flores, mas a ingenuidade de Parsifal protege-o contra si próprio. E quando as jovens-flores se agrupam a seu redor, ele lhes pergunta inocentemente: “Sois flores? Cheiram tão docemente”.
De novo se faz necessário a refinada astúcia de Kundry que, embora proteste e se rebele, ainda assim vê-se obrigada a tentar Parsifal. Com esse objetivo, sê-lhe aparece como uma mulher de soberba beleza, chamando-o pelo nome.
O nome excita as nostalgias de sua juventude, o amor de sua mãe, e Kundry o atrai para junto de si e procura atuar sobre os seus sentimentos, evocando ante sua memória às visões do amor materno e das tristezas de sua mãe, quando Parsifal dela se afastou, levando-a a sentir tal dor, que acabou com sua vida.
Kundry, fala-lhe então de outro amor que pode compensá-lo: o amor do homem pela mulher e, por fim, dá-lhe nos lábios um longo e ardente beijo, apaixonado. Nesse instante, produz-se um silêncio profundo, terrível, como se o destino do mundo inteiro pendesse da balança daquele ardente beijo, e enquanto ela ainda o retém em seus braços, a face de Parsifal sofre gradual mudança, expressando profunda dor…
Ele se ergue, de súbito, como se esse beijo despertasse em seu ser uma nova dor. As linhas de seu pálido rosto tornam-se mais intensas e suas mãos se juntam sobre o coração, como se sofresse uma terrível angústia. O cálice, o Graal, aparece ante sua visão, e vê a Amfortas sofrendo a horrenda agonia, e por fim grita:
“Amfortas, oh Amfortas! Agora sei da lançada em seu flanco, e ela queima meu coração e desgarra minha alma mesma… Oh dor! Oh miséria! Que indizível agonia! A ferida está sangrando em meu próprio peito!”
E de novo, com a mesma comoção, diz: “Não, não é a lançada o que há em meu peito, porque é fogo e chama o que em meu coração inclina meus sentidos ao delírio, à terrível loucura do amor atormentador… Agora sei como se excita, convulsiona e se perde em vergonha o mundo pelas terríveis paixões do coração”.
Kundry tenta-o novamente: “Se um único beijo te trouxe tanto conhecimento, quantos mais entesourarias se te entregares a meu amor, ainda que seja apenas por uma hora?”
Mas, nele já não existe hesitação. Parsifal agora despertou; conhece o bem e o mal, e replica: “Perderíamos, porém a eternidade no instante que me entregasse a ti, mesmo só por uma hora. Quero também salvar-te e libertar-te da maldição da paixão, porque o que arde dentro de ti é apenas amor sensual. E entre esse e o verdadeiro Amor dos corações puros existe um abismo tão grande como o que separa os céus do inferno”.
Quando por fim Kundry se vê obrigada a confessar-se vencida, enche-se de ódio. Clama por Klingsor para vir ajudá-la e ele então aparece empunhando a lança sagrada, arremessando-a contra Parsifal. Mas, este é puro e inofensivo, e por isso nada pode afetá-lo. E a lança flutua sobre a sua cabeça sem feri-lo. Parsifal pega a lança e com ela faz o sinal da cruz, e o castelo de Klingsor com seus jardins mágicos desmoronam-se então fragorosamente…
O Terceiro Ato inicia-se na Sexta-Feira Santa, muitos anos depois. Um guerreiro andante, vestido com uma cota de malha negra, entra nas terras de Montsalvat, onde vive Gunermanz. Retira o elmo, coloca sua lança contra a rocha desnuda e, ajoelhando-se, começa a orar.
Gunermanz surge com Kundry, a quem encontrara adormecida no bosque. Reconhecendo Parsifal e a lança sagrada, regozija-se e dá-lhe as boas vindas, perguntando de onde vem. Ele lhe havia feito a mesma pergunta anteriormente, quando Parsifal o visitara pela primeira vez e respondera: “Não sei”. Mas agora é diferente, porque obtém de Parsifal esta resposta: “Venho do sofrimento e da investigação”.
A primeira ocasião descreve as tentativas da alma para alcançar as realidades da vida superior, mas a segunda é a aquisição consciente do alto nível espiritual da atividade humana que, através da dor e sofrimento, pôde desenvolver-se.
E Parsifal conta como foi tristemente tentado por seus inimigos, e como pôde salvar-se usando a lança de modo contido, porque era um instrumento para curar e não para ferir. A lança é o poder espiritual dos que têm vida e coração puros, que o devem empregar, porém só para propósitos desinteressados. A impureza e a paixão ocasionam sua perda, como no caso de Amfortas.
Muito embora o homem possuidor desse poder, possa empregá-lo numa certa oportunidade para alimentar cinco mil pessoas famintas, não pode converter uma só pedra em pão para saciar a própria fome; e ainda que possa usá-lo para estancar o sangue escorrendo de uma orelha decepada de um captor, não tem o direito de estancar o sangue que flui de seu próprio peito. Por isso, sempre foi dito: “Pode salvar aos outros, mas não pode (ou não quer) salvar-se a si mesmo”.
Parsifal e Gunermanz vão ao castelo do Graal, onde Amfortas está sendo importunado para celebrar o rito sagrado, mas ele se recusa, a fim de livrar-se das dores que lhe produziria ver ao Santo Graal. Apertando o peito roga a seus seguidores que o matem. Nesse momento Parsifal se põe diante dele, toca sua ferida com a lança e o cura. Destrona Amfortas, porém, ao assumir a guarda sob custódia do Santo Graal e da Sagrada Lança.
Só aqueles que têm o mais perfeito altruísmo associado a mais sutil discrição e discernimento, podem tornar-se guardiães do poder espiritual simbolizado pela lança. Amfortas usou-a para atacar e ferir seu inimigo. Parsifal não a empregaria nem sequer para defender sua própria pessoa. Por conseguinte ele podia curar, enquanto que Amfortas não, porque caíra em poder de Klingsor.
Kundry, que simboliza a natureza inferior, no último Ato diz só uma palavra: “Serviço”. Kundry auxiliará Parsifal, o Espírito, a realizar através dela o serviço perfeito.
No Primeiro Ato ela se pôs a dormir quando Parsifal visitou ao Graal. Nesse estado, o espírito não pode elevar-se até aos céus, salvo quando o corpo morre ou adormece. Mas nesse último e Terceiro Ato, Kundry também vai ao Castelo do Graal, porque está dedicada a servir ao Eu superior. E quando já se obteve o Espírito (Parsifal), alcança-se a libertação de que fala o Livro das Revelações: “Ao que vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele jamais sairá”. [Apoc., 3:12].
Estes são os que trabalham pela humanidade desde os mundos internos (3); e não necessitam mais do corpo físico. Estão livres da lei do renascimento, e, por conseguinte, Kundry morre.
[Cf. Cristianismo Rosacruz, p.258/271. Max Heindel. Ed. Kier, 1944].
Terminologia:
(*) 1. Renascimento: A lei do renascimento é a lei cármica: “O que o homem semear isso também ceifará”. [Gálatas, 6.7]. p- A alma humana transita em dois mundos: o material e o astral, onde se processa a “roda das encarnações”. Somente o ser alma-espírito liberto, pode acessar o terceiro mundo, o reino divino de Sophia (3): “Quem não nascer da Água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”. [João, 3:5].
(*) 2. Ego: A Rosacruz Clássica européia distingue a persona mortal (persona, do gr. ‘máscara’) de a ‘rosa’, a alma-espírito imortal [o ser crístico dentro de nós]. O tradutor usa o termo Ego, porém Max Heindel aqui se refere ao aspecto que Carl Jung chama de ‘Self’:“Entendo por “ego” um complexo de representações que ajusta o centro de meu campo de consciência… A partir disso, faço distinção entre ego e Self, na medida em que o ego é apenas o sujeito de minha consciência, enquanto o Self é o sujeito de toda a minha psique, também da parte inconsciente. Nesse sentido, o Self seria uma grandeza (ideal) que contém em si o ego”… [Cf. ‘Léxico dos Conceitos Junguianos Fundamentais’. Edições Loyola].
(*) 3. Reino de Sophia: Para saber sobre os três reinos cósmicos, existentes também dentro de nós, como microcosmo. [Clic: 'O Mito de Sophia' - 'O Evangelho da Pistis Sophia' (apócrifo)].
Comentários antigos da Abertura: – [Extraídos do texto publicado em 2007].
Contam que Richard Wagner [1813-1883] sentiu-se profundamente tocado quando leu pela primeira vez o ‘Parzival e Titurel’, do trovador alemão Wolfram von Eschembach [1170-1220]. Concebeu então sua ópera ‘Parsifal’ aos 44 anos (1857), mas, como nos ciclos do ‘Anel’, ele ainda precisava atravessar um sofrido período de amadurecimento ao longo de 25 anos, para poder finalizá-la em 1882; e foi seu ‘canto de cisne’, pois no ano seguinte ele partia para o lendário Montsalvat…
A simplicidade e o belo enredo do Parsifal de Wagner – que lembra as histórias da Távola Redonda e Rei Artur -, na verdade, provém originalmente do trovador cátaro Chrestien de Troyes (séc. II), autor de romances da cavalaria, entre os quais ‘Perceval ou o Conto do Graal’.
A ópera de Wagner, porém parece tocar a reminiscência espiritual das pessoas, que se sentem fascinadas pela beleza e ambiente mágico de Parsifal e a jornada em busca do misterioso Graal, símbolo arquetípico da meta mais elevada que se encontra esquecida ou adormecida nas profundezas da alma do ser humano.
“Quando saí do Teatro dos Festivais [Bayreuth], incapaz de dizer uma só palavra, eu sabia que havia experimentado a suprema grandeza e o supremo sofrimento”… anotou no seu diário o compositor e maestro, Gustav Mahler.
E em ‘Melodies and Memories’ a cantora Nellie Melba, diz: “Não posso explicar o que aconteceu comigo durante o 1º Ato. O teatro deixou de existir, eu deixei de existir e apenas meu espírito, fora de meu corpo, flutuava no reino da música pura. Para quê estranha esfera aquela música me transportou? Suponho que nunca saberei”…
Luz, Amor e Paz! (Campos de Raphael).
VI - Chave astrológica - Leão: o mito de Parsifal e o Rei do Graal
O Graal, um objeto misterioso, sustentador e preservador da vida, é guardado por um rei doente num castelo difícil de se achar. A região em volta do castelo está devastada. O rei e a terra só se recuperarão se um cavaleiro perfeito, de nobres virtudes, encontrar o castelo e, ao ver o que nele há, fizer uma determinada pergunta. Se ele não o fizer, tudo vai continuar como está, o castelo vai desaparecer e o cavaleiro terá que iniciar uma nova busca. Se ele for bem sucedido, o rei sara, a terra floresce e ele se torna o novo guardião do Graal.
Parsifal levanta o Santo Graal enquanto uma pomba desce sobre ele.
Parsifal, criado pela mãe num bosque isolado, um dia vê passar cinco cavaleiros e resolve seguir com eles, sem ao menos se despedir da mãe, que acaba morrendo de desgosto. Na viagem, briga com o cavaleiro vermelho e o mata. Encontra uma donzela em apuros, apaixona-se e se inicia sexualmente com ela, mas acaba abandonando-a, tal como fez com a mãe. Chegando a um rio profundo e sem passagem possível, ele vê um pescador que lhe indica o caminho para o castelo. No mesmo instante, do rio emerge o castelo, e ele entra. O rei estava ferido na coxa ou na virilha, dependendo do narrador. Então ele tem a visão de uma espada, uma lança gotejando sangue,  uma moça trazendo um Graal de ouro cravejado de pedras preciosas e outra moça com uma bandeja de prata. Ele permanece em silêncio e não ousa dizer nenhuma palavra enquanto vê os objetos. Vai dormir e, quando acorda, o castelo está deserto. Ao sair encontra uma mulher que lhe diz que ele fracassou, pois não fez a pergunta. Parsifal vai embora e passa por muitas aventuras e muito sofrimento, o que lhe confere sabedoria e compaixão. Só então é capaz de reencontrar o castelo, ver o Graal e fazer a pergunta fatal: - a quem serve o Graal? Ao som destas palavras, o rei fica curado e revela ser seu avô. A terra floresce novamente e ele se torna o guardião do Graal.
A prova de Parsifal não é nenhum feito heroico, apenas uma pergunta. Significa a capacidade de se tornar consciente do significado das coisas, uma qualidade de reflexão que tem de ser adquirida. Criado sem pai, Parsifal busca esse princípio masculino na aventura de sua vida. Ele é uma criatura indiferente e insensível, pois mata alguém por puro exibicionismo e não liga para o amor, tanto da mãe, quanto da namorada. Ele é egoísta mas é um rei, apenas sem o verniz ainda da realeza. Só os sofrimentos e as desventuras da vida lhe conferem a maturidade e o sentimento de compaixão pelo sofrimento alheio, que o fazem pronunciar a pergunta. O rei, já curado, é seu avô, um pai de ordem superior ou divina.
A pergunta - A quem o Graal serve? - implica a existência de algo ou alguém superior, poderoso, digno de ser servido; esse alguém é o Pai Celeste, o doador da vida, adorado como Sol, cuja fonte de amor e compaixão é representada pelo Graal.
O Graal é um símbolo feminino, pois é capaz de conter algo como a mãe contém o filho em seu ventre. É portanto um símbolo lunar. A lua reflete a luz do sol, e o Graal serve ao sol espiritual, ou seja, a Deus. Isso implica que o sacrifício ou sacro-ofício que o Graal preconiza é o sacrifício da personalidade, o aspecto lunar. Parsifal está deixando de viver como um ego e inicia a jornada rumo ao self, a individualidade integrada.
Leão, signo de Fogo, regido pelo Sol, é a cauda e as patas, onde estão as garras. Simboliza  a individualidade. O Sol é o coração do mapa. E por ser coração é também o Amor. Sendo oposto a Aquário, signo da Fraternidade, indica que é preciso transformar o Amor Próprio em Amor ao Próximo, que deve haver equilíbrio entre individual e coletivo, tal como as células que, apesar de terem consciência individual, atuam de forma global dentro do organismo maior, que é o nosso corpo.
Leão é Querer. Querer entendido como Vontade. Quando rezamos Seja feita a Vossa Vontade, estamos concordando em que as vontades individuais não devem prevalecer sobre a Vontade de Deus e a Vontade de Deus é o Bem da Humanidade, que deve nortear toda a ação do ser humano autoconsciente.
Porque todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado (Lucas 14. 11).
Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo, e o que quiser tornar-se o primeiro dentre vós se faça vosso escravo, assim como o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para dar a sua vida em resgate de muitos (Mateus 20. 26-28).
O Sol é um símbolo do espírito, da consciência e da vontade. Quando desconectado da natureza superior, ele é conhecido como Ego e associado à personalidade, ao orgulho, à tirania e ao egoísmo. Quando está conectado com a unidade da vida universal, é conhecido como Self. Esse último tem a ver com o conceito de livre-arbítrio, com o querer. Só então o amor próprio pode se transformar em amor ao próximo.
VI – Simbolismo de Parsifal
1 – Objetos e Animais Sagrados
a) Graal
Cálice em que Cristo bebeu na última ceia e onde José de Arimateia recolheu o sangue que brotou da ferida provocada pela lança de Longinus.
Contém duas vezes o sangue de Jesus: a primeira, no Gólgota e a segunda, na transubstanciação, na última ceia.
O Graal converte-se em substituto do coração que é o receptáculo natural do sangue.
Nos hieróglifos egípcios, o coração é representado por um vaso. É o vaso onde a vida se elabora continuamente com sangue.
O Graal é o coração humano; simboliza, também, o coração divino, o centro do mundo à volta do qual tudo vive.
Durante a celebração do sagrado oficio pelo mestre de Monsalvat, Ele tem o valor de uma eucaristia, isto é, torna real a presença de Cristo entre os cavaleiros.
Por vezes, é também descrito como uma pedra. Segundo Maurice Kufferat, o texto de Wolfram com Enchenbach refere-se ao Graal como sendo uma “pedra preciosa trazida para a Terra por um grupo de anjos e confiada a uma fraternidade iniciática – os Custódios do Graal”. Pedra simbólica do mito universal, tal como a pedra de Jacob, a pedra de Liafail escocesa e a pedra cúbica dos maçons. Assim, o Graal seria a mensagem secreta nela gravada: a religião sem religiões seguida pela humanidade primitiva.
b) Santa Lança
Lança com que o centurião romano Longinus feriu o flanco de Jesus.
Simboliza o poder espiritual que apenas é concedido aos “puros de coração”, àqueles que se esquecem se si próprios em uma dádiva total à humanidade, nunca se servindo desse poder em proveito próprio.
É uma lança que deve curar e não ferir.
Nas mãos de Amfortas ele fere, pois é usada para atacar.
Nas mãos de Parsifal ela cura porque este nunca a emprega para defesa própria nos inúmeros combates que trava enquanto percorre o mundo. Chega mesmo ao extremo de se deixar ferir para a proteger.
Está simbolicamente ligada à cruz. Parsifal descreve com ela o sinal da cruz para fazer desaparecer Klingsor e o seu castelo.
c) Água – Lago e Fonte Sagrados
A água aparece em Parsifal simbolizando purificação e renascimento.
É frequente nas lendas e nos mitos de todo o mundo. A tradição diz que “os mundos nasceram das águas”.
A imersão (no batismo) significa um retorno ao nada, seguido da emersão que significa “nascer de novo”, purificado, para uma nova vida.
No dilúvio há uma humanidade (época ou civilização) que morre e outra que nasce.
Amfortas procura curar-se, banhando-se no lago.
Kundry lava o pés de Parsifal na água da fonte (reminiscência do lava-pés dos apóstolos).
Parsifal asperge Kundry na fronte, depois de ter sido aspergido por ela (batismo).
d) Bosque Sagrado
É o espaço sagrado, povoado por animais e plantas, também sagrados, que rodeia o castelo de Monsalvat.
É através desse bosque (natureza) que as personagens sobem ao castelo, a caminho da sala do santo Graal.
Ao longo de todo o drama, está em perfeita harmonia com o estado interior das personagens:
·        no primeiro ato tem “aspecto severo”, mas não sombrio;
·        no segundo ato não aparece, dando lugar ao “Jardim das Delícias” de Klingsor (símbolo do mundo material em oposição ao espírito);
·        no terceiro ato reaparece em todo o esplendor de uma manhã de primavera, Sexta-Feira Santa, em que a natureza transfigurada é purificada da falta de Amfortas e se associa à redenção das personagens.
e) Castelo de Monsalvat
No Parsifal de Guyot de Provence, é identificado com o castelo de Montségur e é habitado por cavaleiros templários.
No texto de Wolfram, não há identificação com nenhum castelo real.
Foi construído por Titurel por ordem de mensageiros divinos, para abrigar o santo Graal e a ordem dos cavaleiros encarregada da sua guarda.
Monsalvat (monte da salvação) é o habitáculo do homem novo e, tal como os outros objetos do mito, não existe materialmente em parte alguma.
Está dentro do homem, a cujo acesso ele pode estar habilitado ou não, conforme é ou não suficientemente forte para superar a matéria.
f) Cisne Branco
Simboliza o espírito.
No lago sagrado, ele confere à água poderes curativos, com os quais Amfortas tenta aliviar o seu sofrimento.
g) Pomba Branca
Simboliza o Espírito Santo ou espírito de Cristo (conhecimento iniciático), o mesmo que desceu sobre Jesus no momento em que foi batizado.
Quando Parsifal celebra o sagrado oficio do Graal, a pomba desce da cúpula e paira sobre a sua cabeça.
2 – Personagens
a) Parsifal
Redentor redimido, predestinado a ser o Rei do Santo Graal.
A palavra parsifal significa “tolo inocente”.
Segundo uma profecia, esse “tolo inocente” que a piedade tornara sábio, viria um dia a curar a ferida de Amfortas, após ter percorrido o longo caminho da tentação e do sofrimento.
Sendo inocente, ele ainda não tem a consciência do Bem e do Mal. Ainda não é virtuoso, porque ainda não venceu a prova da tentação da matéria nem, tão pouco, foi tentado. Ele é a alma que renunciou à sabedoria do mundo, mas que ainda procura o caminho para atingir o espírito. Por isso, parece tolo aos olhos dos outros.
Tão pouco se identifica com o seu semelhante e daí a sua indiferença perante o sofrimento de Amfortas (humanidade).
Não sabe, todavia, como chegar ao reino do espírito e mata um cisne sagrado sem sentir remorsos.
A experiência do seu primeiro passo para a identificação surge quando ouve Kundry chamá-lo pelo nome, recordando a mãe e a infância.
Quando recebe o beijo de Kundry, torna-se subitamente lúcido e toma plena consciência da sua identidade e da sua missão redentora, bem como da sua própria necessidade de redenção.
Nesse momento, sente dentro de si o sofrimento de toda a humanidade (sofrimento de Amfortas), através de um processo ativo de compaixão, simultaneamente cristão e búdico.
Essa compaixão não é ilusão emocional, mas sofrimento real assumido por procuração.
Só a piedade, ativamente assumida, anula, enquanto “reta ação”, o karma e com ele o ciclo da reencarnação, conduzindo assim à redenção tanto do redentor como dos redimidos.
É este o processo que Parsifal vai cumprir, começando por resistir às raparigas-flores do jardim Klingsor e, seguidamente, a Kundry.
Aliás, a própria Kundry começa aqui, quando Parsifal lhe resiste, isto é, quando resiste à tentação de Klingsor (mundo da matéria).
Após se ter apoderado da santa lança, inicia a viagem de purificação pelo sofrimento através do mundo, chegando a Monsalvat vários anos depois, já redimido, piedoso e sábio, pronto a ascender a mestre do Graal e a redimir Kundry e Amfortas.
Este é o significado da exclamação final: “Redenção do redentor!”.
b) Kundry
Kundry é uma mulher com duas naturezas opostas: uma, como servidora do Graal; outra, como escrava de Klingsor, forçada a perturbar e a tentar os cavaleiros de Monsalvat.
Entre estas duas naturezas, ela permanece adormecida, sem exercer qualquer atividade e só acorda quando é evocada por Gurnemanz ou por Klingsor;
Segundo as palavras daquele, ela expia faltas cometidas em uma outra vida, procurando realizar o seu karma, ajudando os cavaleiros sempre que está liberta de Klingsor.
A teoria da reencarnação está aqui patente, corroborada pela túnica de pele de serpente com que Kundry se cobre no primeiro ato.
Teoria também referente a Parsifal quando ele afirma que já teve vários nomes mas não se lembra de nenhum.
Kundry é a criatura que faz despertar em Amfortas e em Parsifal a consciência da necessidade de redenção.
Mais do que o próprio Parsifal, Kundry é a verdadeira alma-mater da obra. A tremenda luta que trava consigo mesma é o elemento mais elevado de toda a ação dramática. Culmina com a sua morte, não física mas iniciática, ritual de passagem para a vida nova, assumindo assim o símbolo da alma humana que, após oscilar entre o plano espiritual e o plano material, alcança a perfeição na fusão com o espírito.
c) Amfortas
Amfortas simboliza o homem velho que deve ser substituído pelo homem novo, Parsifal, porque não foi capaz de vencer as provas da matéria.
Como Jesus, também ele é ferido no flanco direito e pela mesma lança (relação mítica coma Paixão).
O cálice que recolheu o sangue de Cristo aumenta-lhe o sofrimento.
Ele sofre como culpado no meio de inocentes; Cristo sofre como inocente no meio de culpados.
Amfortas quer salvar-se a si próprio; Cristo quer salvar a humanidade, morrendo como homem.
A ferida de Amfortas é o símbolo da corrupção no seio da ordem do Graal; a ferida de Jesus Cristo é o símbolo da Sua inocência.
Apesar de salvo, Amfortas não merece continuar como mestre.
3 – Outras considerações
Nesse drama estão identificadas as três fases evolutivas da humanidade:
·        Humanidade triunfante, personificada pelo poucos cavaleiros guardiões do Graal, que permaneceram puros.
·        Humanidade sofredora (Kundry e Amfortas), vítima da sedução do mundo ilusório.
·        Humanidade militante, simbolizada por Parsifal, que luta pela redenção, a própria e a de todos os homens tornados sábios pelo divino poder da compaixão.
VII – Conclusão
O mito de Parsifal, conforme pudemos observar, consiste na busca daquilo que o homem tem de melhor. O Graal simboliza o coração humano e, portanto, o homem interior, o coração divino que palpita em cada um de nós.
Essa procura, consciente ou inconscientemente, é a busca de toda a humanidade. De uma maneira ou de outra, todos queremos alcançar o Graal que subjaze em nosso interior. Esse é o desafio humano.
VIII – Bibliografia
ESCHENBACH, Wolfram von e Richard Wagner. Parsifal. Editora Nova Acrópole. Lisboa. 1997.
http://www.constelar.com.br/constelar/123_setembro08/signosfixos2.php


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