Parsifal : o Mito e Wagner - Casa de Euterpe
I – Breve Resumo da História
Dentro dos
ciclos cavalheirescos da idade média, um dos mais complexos, pelo seu fecundo
simbolismo e a sua inter-relação com outros mitos e lendas, é o chamado Ciclo
do Graal.
As raízes da
lenda perdem-se na história.
Segundo a
tradição ocidental, o Graal tinha sido talhado pelos Anjos em uma esmeralda que
se desprendeu da fronte de Lúcifer, no momento de sua queda. Pela própria
origem, encontramos um paralelo entre o Graal e o Conhecimento.
Lúcifer é o
portador da luz, velho mito que encontramos disseminado por muitos pontos da
Terra (desde a Grécia com Prometeu, até a China com Sui-Yon). Os seus
protagonistas são seres que trazem à humanidade o Fogo e a Luz, símbolos do
Conhecimento.
O fato de a
Esmeraldo estar na fronte vincula-se com o misterioso “Olho de Dagma” ou
“Terceiro Olho” da tradição hindu e tibetana, que nos fala de épocas remotas em
que existia na fronte um olho com o poder de penetração na matéria e permitia a
clarividência.
Com a
evolução, este olho interiorizou-se acabando por constituir o que hoje
conhecemos por glândula pineal.
Posteriormente,
o Graal foi confiado a Adão no paraíso e, mais tarde, após a sua expulsão, a
seu filho Set.
A saída de
Adão do paraíso é, na sua referência simbólica, a perda da consciência
espiritual devida à queda no materialismo e, por conseguinte, a perda do
conhecimento mágico do Graal representa.
O Graal
aparece de novo na Palestina, na época de Jesus e é utilizado por este na
Última Ceia, para celebrar o mistério da eucaristia.
Quando se
realiza a crucificação no Gólgota (lugar onde, segundo as tradições, estava
enterrado Adão, cujos ossos aparecem representados ao pé da cruz), depois da
morte de Jesus, o centurião romano Longinus abre-lhe o flanco direito com a
lança, e da ferida brota o sangue do redentor.
Este sangue é
recolhido no Graal, e as gotas que caem em terra transformam-se em rosas
(associação da Cruz à Rosa).
Depois da
morte de Jesus, o santo Graal foi levado para a Grã-Bretanha por José de
Arimateia e aqui se aparentam os dois grandes ciclos cavalheirescos – o do
Graal e o do Rei Artur.
São os Doze
Cavaleiros da Távola Redonda os encarregados de procurá-Lo e de transportá-Lo a
Camelot, o reino de Artur. A referência astrológica entre os doze cavalheiros e
uma mesa para depositar o Graal reflete a mesa da Ceia e os Doze Apóstolos.
Somente o
cavaleiro número treze, Galaaz, o Branco e Puro, encontra o Graal.
Este
cavaleiro inexistente (os cavaleiros eram doze), é o símbolo da unificação dos
Doze da demanda do Graal ou do conhecimento esotérico, demanda que se refere ao
processo iniciático de recuperação da consciência espiritual.
Somente
quando se chega ao conhecimento alquímico da Pequena Obra (em branco) é que se
pode ver o final do processo da Grande Obra ou Obra em Rubro (sangue do Graal)
e o Cálice Sagrado seria o atanor alquímico de transformação que possibilitaria
a ascensão da consciência ao paraíso celeste, perdido com a queda da matéria.
Em última
análise, o Graal é um estado superior do homem. Não tem existência material e,
tal como a pedra filosofal dos alquimistas, é dentro de si próprio que o homem
deve procurá-lo.
Na idade
média, a Lendo do Graal é interpretada em prosa e verso pelos trovadores de
língua francesa e de língua alemã em conexão com velhas tradições religiosas e
culturais dos seus países: mitos e lendas dos povos celtas e germânicos.
II – Fonte Escolhida para o Texto
A versão da
lenda de Wolfran Von Eschenbach intitulada Parzifal, inspirada no texto de
Walter da Aquitânia (Occitano) proporcionou a Richard Wagner, em finais do
século XIX, a criação do seu genial drama místico em três atos “Parsifal”.
Partindo do
texto de Eschenbach, Wagner deu ao tema a sua verdadeira densidade, elevando-o
até à máxima exaltação mística e não se limitando a uma dramatização pura e simples.
Concentrando
a ação dramática em três situações dominantes transformadas em visões cênicas,
Wagner seguiu a linha de pensamento já patente em Goëthe, segundo a qual a obra
de arte é concebida como revelação divina, expressa em ritual sagrado, único processo
de redenção do homem.
III – Richard Wagner
Viveu cerca
de três anos em Paris e, em 1842, com 29 anos, retornou a Alemanha onde sua
ópera "Rienzi" foi encenada.
Nomeado
regente da ópera real, ocupou esse posto até 1849. Escreveu artigos defendendo
a revolução alemã de 1848, que fracassou. Fugiu da Alemanha e não pode ver a
primeira apresentação de "Lohengrin", feita por Liszt em 1850.
De 1849 a
1852 escreveu obras impressas como "Arte e Revolução", "A Arte do
Futuro", "Uma comunicação a meus amigos", e "Opera e
Drama", que delineou um novo tipo de teatro musical.
Dirigiu
concertos da Filarmônica de Londres em 1855 e viveu em Zurique até 1858. Wagner
acreditava na criação de uma música nacional que, baseada nos mitos de origem
do povo alemão e na criação da identidade coletiva, fosse capaz de educar e
formar um novo homem, uma nova sociedade. Abertamente antissemita, denunciou a
"judaização" da arte moderna, conclamando por uma "guerra de
libertação". Talvez por isso tenha sido o compositor preferido de Hitler.
Influenciado
pela filosofia de Schopenhauer, escreveu "Tristão e Isolda"(1857-59),
inspirado no seu perdido amor por Mathilde Wesendonk, que causou sua separação
de sua esposa Minna. Devido a esse caso amoroso, trocou Zurique por Veneza.
Em 1859 foi a
Paris, e, em 1861, anistiado, retornou à Alemanha e depois viajou para Viena,
onde desenvolveu seu trabalho como compositor até 1864, quando teve de fugir
para não ser preso, devido a débitos financeiros.
Chegou sem
dinheiro em Stuttgart e quem o ajudou foi Ludwig 2o, o jovem rei da
Bavária, seu grande admirador, que o chamou para viver em Munique. Wagner
estava com 51 anos e pelos seis anos seguintes apresentou, com sucesso, suas
óperas na capital da Bavária. Porém, novamente ficou endividado, além de tentar
imiscuir-se na política do reino e de se tornar amante de uma filha casada de
Liszt, que lhe deu três filhos, mesmo antes de se divorciar e casar-se com ele
em 1870. O rei decidiu alojá-lo em Triebschen, no lago de Lucerna.
Em 1869
Wagner retomou o projeto da tetralogia "O anel dos Nibelungos".
Convencido de que precisaria de um teatro especial para apresentar aquela obra,
Wagner concebeu o Teatro Bayreuth, na Bavária, com o apoio do rei. O teatro foi
inaugurado em 1876, com a apresentação do "O Anel dos Nibelungos".
Wagner
permaneceu em Bayreuth, salvo viagens para concertos em Londres e na Itália.
Durante esses anos ele compôs seu último trabalho, o drama
"Parsifal", iniciado em 1877 e apresentado em 1882. Ditou para a
esposa sua autobiografia e morreu em Veneza.
IV - Parcival: o Buscador
Percival
simboliza o homem peregrino, na busca do infinito, representa as sucessivas
provas iniciáticas de todo candidato. Terríveis e desesperadas provas, mas que
devem ser efetuadas com êxito para se ascender ao Santuário do Graal.
O jovem
Percival vivia no coração de um bosque com sua mãe, viúva de Cavaleiro que
odiava o canto dos pássaros e desejava separá-lo da visão do mundo exterior.
Um dia, o
jovem viu passar cinco Cavaleiros que pensou fossem anjos, e, desse dia em
diante, desejou participar como eleito da Távola Redonda. Não podendo evitar
sua partida, sua mãe morreu de dor pela perda do filho. Esse foi o primeiro
grande crime de sua inocência.
Ao chegar à
Corte de Arthur, Percival venceu o Cavaleiro Vermelho e ficou com suas armas,
sendo recebido na Távola Redonda.
Percival era
um espírito inocente, pois proveniente do bosque (símbolo do erro e da
escuridão do mundo e também da matriz da Mãe Universal).
Sua vocação
para a cavalaria indica seu desejo de consagrar-se na busca da verdade. A mãe,
símbolo da Natureza, tentou segurar o homem com suas miragens. A linguagem dos
pássaros que, na tradição espiritual, simboliza a chamada da alma e a música
primordial do espírito, representa os estados superiores do Ser. É o símbolo da
espiritualização que à sua mãe aborrece, demonstrando, claramente, o desejo da
matéria de enclausurar o espírito, evitando, assim, que o homem descubra a
verdade da trama ilusória de Maya.
Percival
possuía o desejo da iluminação e sua via era do coração. Por isso, escolheu as
armas do Cavaleiro Vermelho que tem a cor do sangue e do sacrifício, entendido
o termo “sacrificar” como “converter em sagrado”. Todavia, sua inocência era
muito grande. Percival era puro, mas não sábio. A pureza deveria converter-se
em sabedoria por meio do processo iniciático.
Após ser
aceito na Ordem da Távola Redonda, Percival visitou Gonerman, o Homem Prudente,
que lhe ensinou o ofício das armas e as virtudes da cavalaria.
Em sua busca
pelo Graal, Percival chega ao Castelo do Rei Pescador que sofria de uma doença
incurável. Ali, foi recebido em um grande salão, onde, assombrado, contemplou
um empregado que segurava uma espada com sangue. De trás, uma donzela segurava
o Santo Graal em suas mãos. Uma grande auréola deixava-se ver por toda a sala,
quando o cortejo para em frente de Percival. Nesse momento, ele não se atreveu
a fazer a pergunta:
- “A quem
serve o Graal?”
Faltou-lhe coragem
e com isso infringiu uma das leis sagradas da iniciação. Seu erro condenou o
mundo a viver na escuridão e o homem, simbolizado pelo Rei Pescador, a sofrer o
tormento de uma ferida que jamais se fecha.
Percival
perdeu a memória de Deus e lutou em combates terríveis contra cavaleiros
desconhecidos, vagando pela Terra como um vagabundo. Entrou, dessa maneira, no
ciclo maturativo, uma vez que a inocência deveria ser ungida pela experiência.
Um dia,
encontrou uma donzela vestida em farrapos que lhe comunicou que seus lábios não
puderam abrir-se na presença do Graal em castigo por ter deixado sua mãe morrer
pela dor de sua partida. Essa donzela representa a própria consciência interior
que se coloca à frente das consequências cármicas de nossos atos.
No final de
sua peregrinação, Percival foi liberado da ilusão de sua própria mente e,
alçando a iluminação, percebeu diante de si a imagem do Castelo Virtuoso. O
Graal apareceu de novo e, dessa vez, ele ousou fazer a pergunta. Nesse
instante, o Rei Pescador recuperou a saúde e o designou como legitimo sucessor.
A lenda
afirma que Percival morreu no momento da contemplação do Graal. Tal
acontecimento pode significar a morte da personalidade ante o alcance da
plenitude espiritual, interior, representada pelo Graal.
V – Parsifal by Richard
Wagner
“Nesta
ceia fraternal, preparada dia a dia, assim como na última vez, seremos também
hoje confortados. Quem pelo bom ato se alegra pela Ceia será renovado: receberá
conforto e ganhará o dom supremo”. (‘Parsifal’ – Ato I. Segunda Parte. Richard Wagner).
O ‘Parsifal’
de Wagner, tem início num cenário próximo ao Castelo de Montsalvat. Este é um
lugar de paz, onde toda vida é sagrada e os animais e aves não sentem temor
algum porque os cavaleiros do Graal, como quaisquer homens verdadeiramente
santos, são inofensivos e inocentes, que não matam para comer, e tampouco por
esporte, aplicando a todos os seres viventes a máxima: “Vivei e deixai
viver”.
Aurorea e
Gunermanz, o mais velho dos cavaleiros do Graal, encontra-se sob uma árvore,
com dois escudeiros. Despertando de seu repouso noturno, vêem à distância
Kundry aproximando-se, galopando num cavalo selvagem. Vemos em Kundry a
criatura de dupla existência, uma como servidora do Graal, ansiando servir por
todos os meios ao seu alcance aos desígnios dos cavaleiros do Graal, e esta
parece ser sua verdadeira natureza.
A outra
existência é vivida como escrava involuntária do mago negro Klingsor, forçada a
tentar e mortificar aos cavaleiros do Graal, a quem deseja servir. O portal
entre uma e outra existência é a porta do “sono”; e se vê obrigada a servir
quem a encontra e a desperta. Se for Gunermanz, torna-se a fiel servidora do
Graal; mas, se Klingsor a evoca por meio de suas bruxarias, vê-se forçada a
servir aos seus intentos maléficos, quer ela queira ou não.
Na primeira
parte do drama, Kundry veste uma túnica de peles de serpentes, símbolo da
doutrina do renascimento (¹), porque assim como a serpente cria nova pele capa
após capa, e a exsuda de si mesma, assim também o Ego* (2), no processo
evolutivo de seu desenvolvimento, desprende de si mesmo, qual serpente, um
corpo após outro, abandonando cada veículo quando ele se torna endurecido e
cristalizado, ou seja, quando perde a sua eficiência.
O
renascimento (*) está associado ao ensino da Causalidade, a lei que nos traz os
frutos de tudo o que semeamos. É a lei explícita nas palavras de Gunermanz,
quando o seu jovem escudeiro expressa sua desconfiança em Kundry, e então
Gunermanz responde:
“Ela pode
estar sob alguma maldição /Fruto de alguma vida passada que não vemos,
/Buscando libertar-se do pecado, /Por meio de obras que lhe parecem boas…
/Certamente ser-lhe-á benéfico seguir assim, /Ajudando-se a si mesma quando a
outros ajuda”.
Quando Kundry
entra em cena, retira do seio um frasco dizendo que o traz da Arábia, esperando
seja um bálsamo para o ferimento no flanco de Amfortas, o rei do Graal, cuja
ferida lhe causa sofrimentos indizíveis e jamais pode ser curada. O rei enfermo
é trazido então reclinado numa liteira; irá banhar-se no lago próximo, como o
faz diariamente, onde dois cisnes nadam, convertendo as águas numa poção
balsâmica para seus terríveis sofrimentos.
Amfortas
agradece a Kundry, mas diz que acredita não haver alívio para ele enquanto não
vier o libertador, profetizado pelo Graal: “Um tolo virgem, inocente, iluminado
pela compaixão”. Mas Amfortas pensa que a morte chegará antes da libertação.
Quando retiram Amfortas, quatro dos jovens escudeiros agrupam-se ao redor de
Gurnemanz, rogando-lhe que lhes conte a história do Graal e a ferida do rei
Amfortas. Todos se recostam sob a árvore, e então Gurnemanz começa:
“Na noite em
que nosso Senhor e Salvador, Cristo Jesus, celebrou a última ceia com os
discípulos, bebeu o vinho de certo cálice mais tarde usado por José de Arimateia
para recolher o sangue vital que fluía da ferida no flanco do Redentor. Guardou
também a lança sangrenta com a qual o feriram, levando consigo essas relíquias,
enfrentando muitos perigos e perseguições.”
“Por último,
essas relíquias ficaram sob o encargo dos anjos, até que certa noite um
mensageiro místico enviado por Deus a Titurel, pai de Amfortas, pediu-lhe para
construir um castelo a fim de recebê-las e guardá-las em segurança. Ele
construiu então o castelo de Montsalvat numa elevada montanha, e ali
depositadas as relíquias sob sua custódia e a de um grupo de cavaleiros santos
e castos que se lhe agregaram. E Montsalvat converteu-se por fim num centro de
poderosas influências espirituais, que fluíam para o mundo exterior…”
“Todavia,
longe dali, vivia num vale pagão um cavaleiro negro que, embora não fosse
casto, desejava tornar-se um cavaleiro do Graal, e para esse fim castrou-se,
privando-se da capacidade de gratificar suas paixões, mas estas subsistiam. E o
rei Titurel, ao ver o coração desse homem cheio de negros desejos, recusou
admiti-lo. Klingsor jurou então que se não podia servir o Graal, o Graal o
serviria.”
“E construiu
um castelo rodeado de um jardim mágico, repleto de donzelas de extraordinária
beleza e recendendo a um perfume como o das flores. E desse modo, como os
cavaleiros do Graal precisavam atravessar o jardim mágico ao sair ou voltar a
Montsalvat, eram tentados a sentir desejos de violar o voto de castidade e o
juramento de fé, convertendo-se assim em prisioneiros de Klingsor, e poucos
restaram como fiéis defensores do Graal.”
“Nesse
ínterim, Titurel havia confiado a custódia do Graal ao seu filho Amfortas e
este, vendo os sérios inconvenientes produzidos por Klingsor, decidiu sair para
combatê-lo. Para esse fim levou consigo a lança sagrada. O astucioso Klingsor,
porém não foi ao encontro de Amfortas em pessoa, e sim evocou a Kundry,
transformando magicamente sua aparência hedionda, como aparece quando servidora
do Graal, numa mulher extremamente bela.”
Dominada pela
sórdida magia de Klingsor, Kundry vai ao encontro do rei Amfortas e tenta-o,
até ele render-se em seus braços, deixando cair a lança sagrada. Klingsor
aparece então, apodera-se da lança e fere ao rei indefeso. E Amfortas seria
aprisionado, se não fosse os heróicos esforços de Gunermanz. Não obstante,
Klingsor conseguiu manter em seu poder a lança sagrada, e Amfortas desde então
retorce de dor, porque a ferida não pôde mais ser curada”…
Nesse ponto
da história, os jovens escudeiros erguem-se exaltados, afirmando que irão
vencer a Klingsor e recuperarão a lança sagrada. Gunermanz meneia tristemente a
cabeça, dizendo que essa tarefa está mais além de as forças deles; reitera,
porém a profecia de que a redenção de Amfortas será efetuada por “um tolo, puro
e iluminado pela compaixão”.
Ouvem-se
então gritos: ‘O cisne! Oh, o cisne!’ - Efetivamente um cisne esvoaça e
revoluteia por instantes, caindo morto aos pés de Gunermanz, enquanto os jovens
escudeiros se agitam ao assistir a tudo isso. E logo outros escudeiros trazem
um jovem vigoroso, armado de arco e flechas, e Gunermanz o interroga com
tristeza:
“Por que
mataste esta inocente criatura?” E o moço responde de modo ingênuo, inocente:
“Fiz algum mal?” – Gunermanz então lhe fala sobre o rei enfermo e da parte
exercida pelo cisne no preparo do banho sanativo. Suas palavras comovem
profundamente a Parsifal, levando-o a quebrar o seu arco…
- Em todas as
religiões, o espírito vivificador tem sido representado simbolicamente como uma
ave. No batismo, quando o corpo de Jesus estava na água, o Espírito de Cristo
desceu a ele como uma pomba. “O Espírito move-se sobre as águas”, o meio
fluídico, assim como os cisnes se movem na água do lago sob o Yggdrasill, a
árvore da vida na mitologia norueguesa ou sobre as águas do lago na lenda do
Santo Graal.
A ave
representa a influência espiritual direta mais elevada, e por essa razão os
cavaleiros bem podiam lamentar sua perda. A Verdade é múltipla. Há pelo menos
sete interpretações exatas de cada mito, uma para cada mundo, e olhado do ponto
de vista material, a compaixão gerada em Parsifal ao quebrar o seu arco, marca
um passo definido na vida superior.
Ninguém pode
ser verdadeiramente compassivo nem tampouco auxiliar na evolução, enquanto mate
para comer, quer pessoalmente ou por meios indiretos. Viver de modo inocente,
sem causar dano a nenhum ser, é pré-requisito absolutamente essencial para
participar da vida auxiliadora.
Gunermanz
começa a interrogar Parsifal sobre si mesmo; quer saber quem é e como veio a
Montsalvat. Mas, Parsifal demonstra uma ignorância surpreendente. A todas essas
perguntas, responde: “Eu não sei”.
Por fim,
Kundry se adianta e diz: “Eu posso dizer-lhes quem ele é. Seu pai era o nobre
Gamuret, um príncipe dos homens que morreu lutando na Arábia, quando o filho
estava ainda no seio de sua mãe, a senhora Herzleide”. Ao expirar, Gamuret deu
ao filho o nome de Parsifal, o tolo casto. E a mãe, temendo que aprendesse a
arte da guerra e o levassem, conduziu-o para um denso bosque onde foi mantido na
ignorância das armas e da guerra.
E Parsifal
concordando, diz: “Sim, um dia vi alguns homens cavalgando bestas informes, e
quis ser como eles; por isso os segui durante muitos dias até que por fim
cheguei aqui e tive que lutar com muitos homens monstruosos”.
- Na
história, pinta-se um quadro excelente da alma investigadora das realidades da
vida. Gamuret e Parsifal figuram diferentes fases da vida da alma. Gamuret é o
homem do mundo que, a seu tempo, ligou-se a Herzleide. Herzleid [do
alemão, herz, coração, e leid, sofrimento], ou, em outras
palavras, “aflição do coração”.
Conhece a dor
e morre para o mundo, como o fazem todos os que se voltam para a vida superior.
Enquanto o barco de nossa existência navega por águas tranqüilas e a vida nos
parece esplêndida, não há canto suficientemente doce que possa encaminhar
nossos passos para a vida superior. Todas as fibras de nosso corpo gritam:
“Isto é suficiente bom para mim”.
Quando, porém
as garras da adversidade nos ferem, quando cada onda ameaça tragar-nos, experimentamos
então a dor do coração, que nos torna entristecidos, homens prontos para nascer
como Parsifal, o tolo puro e casto, isto é, a alma que volta às costas a
sabedoria do mundo e sai em busca das coisas do espírito, tornando-nos assim um
pobre de espírito, um tolo ante os olhos do mundo.
Deixa para
trás tudo o que se refere à vida passada, inclusive as tristezas, tal como
Parsifal deixou Herzleide (a aflição do coração). E se diz que morreu, porque
ele não mais se voltou para ela. Assim também morre a tristeza, quando a alma
anelante nasce e afasta-se do mundo, embora nele permaneça para cumprir com
seus deveres, ainda que não pertença mais ao mundo.
Nesse
ínterim, Gunermanz, intuindo que Parsifal é o libertador de Amfortas, leva-o
pela senda que conduz ao castelo do Graal. E quando Parsifal pergunta-lhe quem
é o Graal, Gunermanz responde:
“Não te o
direi; mas se Ele é que está a ti guiar,
A Verdade
oculta, diante de ti se desvelará.
Para mim,
o teu rosto até me parece familiar,
Pois a Ele
nenhuma senda pode levar,
E ao
buscá-la somente mais se distanciará,
Salvo se
for Ele mesmo quem está a ti guiar”.
Wagner leva-nos
aqui aos tempos pré-cristãos, porque antes do advento de Cristo, a iniciação
não estava aberta para “quem a quisesse”, e sim reservada ou concedida a certos
eleitos, em troca de certos privilégios especiais por dedicar-se ao serviço do
templo, como no caso das castas dos levitas e dos brâmanes.
A vinda de
Cristo, porém produziu mudanças definidas na humanidade, e agora todos podem
ingressar na senda da iniciação. Certamente, isto passou a ocorrer desde o
momento em que os matrimônios internacionais acabaram com as castas.
E voltemos ao
castelo do Graal: Amfortas se vê importunado de várias maneiras para que
realize o sagrado rito do serviço ao Graal, desvelando o cálice sagrado, a fim
de que, ao contemplá-lo, o ardor e ânimo dos cavaleiros sejam renovados para
continuar prestando o seu serviço espiritual.
Amfortas,
porém estremece de temor e angústia, pois sabe que o simples fato de ver o Graal,
causar-lhe-á sofrimentos indizíveis; a ferida em seu dorso continuaria jorrando
sangue ante a sua presença, do mesmo modo que a ferida do remorso também nos
aflige e oprime quando pecamos contra o nosso ideal.
Por fim,
cedendo aos rogos conjuntos de seu pai e de seus cavaleiros, celebra o sagrado
rito, sofrendo, durante o ritual, espantosas angústias. Parsifal, postado a um
canto, assiste a tudo e sente por empatia as mesmas dores, sem compreender por
quê. Ao término da cerimônia, ansioso, Gunermanz pergunta-lhe o que viu, mas
Parsifal está ainda estonteado e permanece em silêncio. Irritado, por sentir-se
frustrado em suas esperanças, Gunermanz então o expulsa do castelo…
As emoções e
sentimentos não controlados pelo conhecimento, são mananciais de tentação. A
própria inocência da alma, faz com que seja presa fácil do pecado. Por isso,
para o crescimento anímico, torna-se necessário existir as tentações, para
revelar e fortalecer-nos contra nossos pontos débeis.
Quando
cairmos, sofreremos como Amfortas, mas o sofrimento desenvolve a consciência,
traz a rejeição pelo pecado e saímos fortalecidos contra a tentação. As
crianças são inocentes porque ainda não foram tentadas. Só quando somos
tentados e permanecemos puros, ou se caímos, arrependemos e reformamo-nos,
podemos tornar-nos virtuosos. Parsifal, portanto, devia ser tentado…
No Segundo
Ato, vemos Klingsor no momento em que evoca a Kundry, porque espreitara
Parsifal vindo em direção ao castelo, e o teme mais do que a qualquer outro,
por saber ser ele um tolo. Um homem sabiamente mundano poderia cair facilmente
nas ciladas das jovens-flores, mas a ingenuidade de Parsifal protege-o contra
si próprio. E quando as jovens-flores se agrupam a seu redor, ele lhes pergunta
inocentemente: “Sois flores? Cheiram tão docemente”.
De novo se
faz necessário a refinada astúcia de Kundry que, embora proteste e se rebele,
ainda assim vê-se obrigada a tentar Parsifal. Com esse objetivo, sê-lhe aparece
como uma mulher de soberba beleza, chamando-o pelo nome.
O nome excita
as nostalgias de sua juventude, o amor de sua mãe, e Kundry o atrai para junto
de si e procura atuar sobre os seus sentimentos, evocando ante sua memória às
visões do amor materno e das tristezas de sua mãe, quando Parsifal dela se
afastou, levando-a a sentir tal dor, que acabou com sua vida.
Kundry,
fala-lhe então de outro amor que pode compensá-lo: o amor do homem pela mulher
e, por fim, dá-lhe nos lábios um longo e ardente beijo, apaixonado. Nesse
instante, produz-se um silêncio profundo, terrível, como se o destino do mundo
inteiro pendesse da balança daquele ardente beijo, e enquanto ela ainda o retém
em seus braços, a face de Parsifal sofre gradual mudança, expressando profunda
dor…
Ele se ergue,
de súbito, como se esse beijo despertasse em seu ser uma nova dor. As linhas de
seu pálido rosto tornam-se mais intensas e suas mãos se juntam sobre o coração,
como se sofresse uma terrível angústia. O cálice, o Graal, aparece ante sua
visão, e vê a Amfortas sofrendo a horrenda agonia, e por fim grita:
“Amfortas,
oh Amfortas! Agora sei da lançada em seu flanco, e ela queima meu coração e
desgarra minha alma mesma… Oh dor! Oh miséria! Que indizível agonia! A ferida
está sangrando em meu próprio peito!”
E de novo,
com a mesma comoção, diz: “Não, não é a lançada o que há em meu peito,
porque é fogo e chama o que em meu coração inclina meus sentidos ao delírio, à
terrível loucura do amor atormentador… Agora sei como se excita, convulsiona e
se perde em vergonha o mundo pelas terríveis paixões do coração”.
Kundry tenta-o
novamente: “Se um único beijo te trouxe tanto conhecimento, quantos mais
entesourarias se te entregares a meu amor, ainda que seja apenas por uma hora?”
Mas, nele já
não existe hesitação. Parsifal agora despertou; conhece o bem e o mal, e
replica: “Perderíamos, porém a eternidade no instante que me entregasse a
ti, mesmo só por uma hora. Quero também salvar-te e libertar-te da maldição da
paixão, porque o que arde dentro de ti é apenas amor sensual. E entre esse e o
verdadeiro Amor dos corações puros existe um abismo tão grande como o que
separa os céus do inferno”.
Quando por
fim Kundry se vê obrigada a confessar-se vencida, enche-se de ódio. Clama por
Klingsor para vir ajudá-la e ele então aparece empunhando a lança sagrada,
arremessando-a contra Parsifal. Mas, este é puro e inofensivo, e por isso nada
pode afetá-lo. E a lança flutua sobre a sua cabeça sem feri-lo. Parsifal pega a
lança e com ela faz o sinal da cruz, e o castelo de Klingsor com seus jardins
mágicos desmoronam-se então fragorosamente…
O Terceiro
Ato inicia-se na Sexta-Feira Santa, muitos anos depois. Um guerreiro andante,
vestido com uma cota de malha negra, entra nas terras de Montsalvat, onde vive
Gunermanz. Retira o elmo, coloca sua lança contra a rocha desnuda e,
ajoelhando-se, começa a orar.
Gunermanz
surge com Kundry, a quem encontrara adormecida no bosque. Reconhecendo Parsifal
e a lança sagrada, regozija-se e dá-lhe as boas vindas, perguntando de onde
vem. Ele lhe havia feito a mesma pergunta anteriormente, quando Parsifal o
visitara pela primeira vez e respondera: “Não sei”. Mas agora é diferente,
porque obtém de Parsifal esta resposta: “Venho do sofrimento e da
investigação”.
A primeira
ocasião descreve as tentativas da alma para alcançar as realidades da vida
superior, mas a segunda é a aquisição consciente do alto nível espiritual da
atividade humana que, através da dor e sofrimento, pôde desenvolver-se.
E Parsifal
conta como foi tristemente tentado por seus inimigos, e como pôde salvar-se
usando a lança de modo contido, porque era um instrumento para curar e não para
ferir. A lança é o poder espiritual dos que têm vida e coração puros, que o
devem empregar, porém só para propósitos desinteressados. A impureza e a paixão
ocasionam sua perda, como no caso de Amfortas.
Muito embora
o homem possuidor desse poder, possa empregá-lo numa certa oportunidade para
alimentar cinco mil pessoas famintas, não pode converter uma só pedra em pão
para saciar a própria fome; e ainda que possa usá-lo para estancar o sangue
escorrendo de uma orelha decepada de um captor, não tem o direito de estancar o
sangue que flui de seu próprio peito. Por isso, sempre foi dito: “Pode salvar
aos outros, mas não pode (ou não quer) salvar-se a si mesmo”.
Parsifal e
Gunermanz vão ao castelo do Graal, onde Amfortas está sendo importunado para
celebrar o rito sagrado, mas ele se recusa, a fim de livrar-se das dores que
lhe produziria ver ao Santo Graal. Apertando o peito roga a seus seguidores que
o matem. Nesse momento Parsifal se põe diante dele, toca sua ferida com a lança
e o cura. Destrona Amfortas, porém, ao assumir a guarda sob custódia do Santo
Graal e da Sagrada Lança.
Só aqueles
que têm o mais perfeito altruísmo associado a mais sutil discrição e
discernimento, podem tornar-se guardiães do poder espiritual simbolizado pela
lança. Amfortas usou-a para atacar e ferir seu inimigo. Parsifal não a
empregaria nem sequer para defender sua própria pessoa. Por conseguinte ele
podia curar, enquanto que Amfortas não, porque caíra em poder de Klingsor.
Kundry, que
simboliza a natureza inferior, no último Ato diz só uma palavra: “Serviço”.
Kundry auxiliará Parsifal, o Espírito, a realizar através dela o serviço
perfeito.
No Primeiro
Ato ela se pôs a dormir quando Parsifal visitou ao Graal. Nesse estado, o
espírito não pode elevar-se até aos céus, salvo quando o corpo morre ou
adormece. Mas nesse último e Terceiro Ato, Kundry também vai ao Castelo do
Graal, porque está dedicada a servir ao Eu superior. E quando já se obteve o
Espírito (Parsifal), alcança-se a libertação de que fala o Livro das
Revelações: “Ao que vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele
jamais sairá”. [Apoc., 3:12].
Estes são os
que trabalham pela humanidade desde os mundos internos (3); e não necessitam
mais do corpo físico. Estão livres da lei do renascimento, e, por conseguinte,
Kundry morre.
[Cf.
Cristianismo Rosacruz, p.258/271. Max Heindel. Ed. Kier, 1944].
Terminologia:
(*) 1. Renascimento:
A lei do renascimento é a lei cármica: “O que o homem semear isso também
ceifará”. [Gálatas, 6.7]. p- A alma humana transita em dois mundos: o material
e o astral, onde se processa a “roda das encarnações”. Somente o ser
alma-espírito liberto, pode acessar o terceiro mundo, o reino divino de Sophia
(3): “Quem não nascer da Água e do Espírito, não pode entrar no reino de
Deus”. [João, 3:5].
(*) 2. Ego:
A Rosacruz Clássica européia distingue a persona mortal (persona, do gr.
‘máscara’) de a ‘rosa’, a alma-espírito imortal [o ser crístico dentro de nós].
O tradutor usa o termo Ego, porém Max Heindel aqui se refere ao aspecto que
Carl Jung chama de ‘Self’:“Entendo por “ego” um complexo de
representações que ajusta o centro de meu campo de consciência… A partir disso,
faço distinção entre ego e Self, na medida em que o ego é apenas o sujeito de
minha consciência, enquanto o Self é o sujeito de toda a minha psique, também
da parte inconsciente. Nesse sentido, o Self seria uma grandeza (ideal) que
contém em si o ego”… [Cf. ‘Léxico dos Conceitos Junguianos Fundamentais’.
Edições Loyola].
(*) 3. Reino
de Sophia: Para saber sobre os três reinos cósmicos, existentes também
dentro de nós, como microcosmo. [Clic: 'O Mito de Sophia' - 'O Evangelho da
Pistis Sophia' (apócrifo)].
Comentários
antigos da Abertura: –
[Extraídos do texto publicado em 2007].
Contam que
Richard Wagner [1813-1883] sentiu-se profundamente tocado quando leu pela
primeira vez o ‘Parzival e Titurel’, do trovador alemão Wolfram von Eschembach
[1170-1220]. Concebeu então sua ópera ‘Parsifal’ aos 44 anos (1857), mas, como
nos ciclos do ‘Anel’, ele ainda precisava atravessar um sofrido período de amadurecimento
ao longo de 25 anos, para poder finalizá-la em 1882; e foi seu ‘canto de
cisne’, pois no ano seguinte ele partia para o lendário Montsalvat…
A
simplicidade e o belo enredo do Parsifal de Wagner – que lembra as histórias da
Távola Redonda e Rei Artur -, na verdade, provém originalmente do trovador
cátaro Chrestien de Troyes (séc. II), autor de romances da cavalaria, entre os
quais ‘Perceval ou o Conto do Graal’.
A ópera de
Wagner, porém parece tocar a reminiscência espiritual das pessoas, que se
sentem fascinadas pela beleza e ambiente mágico de Parsifal e a jornada em
busca do misterioso Graal, símbolo arquetípico da meta mais elevada que se
encontra esquecida ou adormecida nas profundezas da alma do ser humano.
“Quando saí
do Teatro dos Festivais [Bayreuth], incapaz de dizer uma só palavra, eu sabia
que havia experimentado a suprema grandeza e o supremo sofrimento”… anotou no
seu diário o compositor e maestro, Gustav Mahler.
E em ‘Melodies
and Memories’ a cantora Nellie Melba, diz: “Não posso explicar o que
aconteceu comigo durante o 1º Ato. O teatro deixou de existir, eu deixei de
existir e apenas meu espírito, fora de meu corpo, flutuava no reino da música
pura. Para quê estranha esfera aquela música me transportou? Suponho que nunca
saberei”…
Luz, Amor e
Paz! (Campos de Raphael).
VI - Chave astrológica - Leão: o mito de Parsifal e o Rei do
Graal
Parsifal
levanta o Santo Graal enquanto uma pomba desce sobre ele.
Parsifal,
criado pela mãe num bosque isolado, um dia vê passar cinco cavaleiros e resolve
seguir com eles, sem ao menos se despedir da mãe, que acaba morrendo de
desgosto. Na viagem, briga com o cavaleiro vermelho e o mata. Encontra uma
donzela em apuros, apaixona-se e se inicia sexualmente com ela, mas acaba
abandonando-a, tal como fez com a mãe. Chegando a um rio profundo e sem
passagem possível, ele vê um pescador que lhe indica o caminho para o castelo.
No mesmo instante, do rio emerge o castelo, e ele entra. O rei estava ferido na
coxa ou na virilha, dependendo do narrador. Então ele tem a visão de uma
espada, uma lança gotejando sangue, uma moça trazendo um Graal de ouro
cravejado de pedras preciosas e outra moça com uma bandeja de prata. Ele
permanece em silêncio e não ousa dizer nenhuma palavra enquanto vê os objetos.
Vai dormir e, quando acorda, o castelo está deserto. Ao sair encontra uma
mulher que lhe diz que ele fracassou, pois não fez a pergunta. Parsifal vai
embora e passa por muitas aventuras e muito sofrimento, o que lhe confere
sabedoria e compaixão. Só então é capaz de reencontrar o castelo, ver o Graal e
fazer a pergunta fatal: - a quem serve o Graal? Ao som destas palavras, o rei
fica curado e revela ser seu avô. A terra floresce novamente e ele se torna o
guardião do Graal.
A prova de
Parsifal não é nenhum feito heroico, apenas uma pergunta. Significa a
capacidade de se tornar consciente do significado das coisas, uma qualidade de
reflexão que tem de ser adquirida. Criado sem pai, Parsifal busca esse
princípio masculino na aventura de sua vida. Ele é uma criatura indiferente e
insensível, pois mata alguém por puro exibicionismo e não liga para o amor,
tanto da mãe, quanto da namorada. Ele é egoísta mas é um rei, apenas sem o
verniz ainda da realeza. Só os sofrimentos e as desventuras da vida lhe
conferem a maturidade e o sentimento de compaixão pelo sofrimento alheio, que o
fazem pronunciar a pergunta. O rei, já curado, é seu avô, um pai de ordem
superior ou divina.
A pergunta -
A quem o Graal serve? - implica a existência de algo ou alguém superior,
poderoso, digno de ser servido; esse alguém é o Pai Celeste, o doador da
vida, adorado como Sol, cuja fonte de amor e compaixão é representada pelo
Graal.
O Graal é um
símbolo feminino, pois é capaz de conter algo como a mãe contém o filho em seu
ventre. É portanto um símbolo lunar. A lua reflete a luz do sol, e o Graal
serve ao sol espiritual, ou seja, a Deus. Isso implica que o sacrifício ou
sacro-ofício que o Graal preconiza é o sacrifício da personalidade, o aspecto
lunar. Parsifal está deixando de viver como um ego e inicia a jornada rumo
ao self, a individualidade integrada.
Leão, signo
de Fogo, regido pelo Sol, é a cauda e as patas, onde estão as garras.
Simboliza a individualidade. O Sol é o coração do mapa. E por ser coração
é também o Amor. Sendo oposto a Aquário, signo da Fraternidade, indica
que é preciso transformar o Amor Próprio em Amor ao Próximo, que
deve haver equilíbrio entre individual e coletivo, tal como as células que,
apesar de terem consciência individual, atuam de forma global dentro do
organismo maior, que é o nosso corpo.
Leão é
Querer. Querer entendido como Vontade. Quando rezamos Seja feita a Vossa
Vontade, estamos concordando em que as vontades individuais não devem
prevalecer sobre a Vontade de Deus e a Vontade de Deus é o Bem da Humanidade,
que deve nortear toda a ação do ser humano autoconsciente.
Porque todo
aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será
exaltado (Lucas 14. 11).
Todo aquele
que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo, e o que quiser
tornar-se o primeiro dentre vós se faça vosso escravo, assim como o Filho do
Homem veio, não para ser servido, mas para dar a sua vida em resgate de muitos
(Mateus 20. 26-28).
O Sol é um
símbolo do espírito, da consciência e da vontade. Quando desconectado da
natureza superior, ele é conhecido como Ego e associado à personalidade, ao
orgulho, à tirania e ao egoísmo. Quando está conectado com a unidade da vida
universal, é conhecido como Self. Esse último tem a ver com o conceito de
livre-arbítrio, com o querer. Só então o amor próprio pode se transformar em
amor ao próximo.
VI – Simbolismo de Parsifal
1 – Objetos e Animais Sagrados
a) Graal
Cálice em que
Cristo bebeu na última ceia e onde José de Arimateia recolheu o sangue que
brotou da ferida provocada pela lança de Longinus.
Contém duas
vezes o sangue de Jesus: a primeira, no Gólgota e a segunda, na
transubstanciação, na última ceia.
O Graal
converte-se em substituto do coração que é o receptáculo natural do sangue.
Nos
hieróglifos egípcios, o coração é representado por um vaso. É o vaso onde a
vida se elabora continuamente com sangue.
O Graal é o
coração humano; simboliza, também, o coração divino, o centro do mundo à volta
do qual tudo vive.
Durante a
celebração do sagrado oficio pelo mestre de Monsalvat, Ele tem o valor de uma
eucaristia, isto é, torna real a presença de Cristo entre os cavaleiros.
Por vezes, é
também descrito como uma pedra. Segundo Maurice Kufferat, o texto de Wolfram
com Enchenbach refere-se ao Graal como sendo uma “pedra preciosa trazida para a
Terra por um grupo de anjos e confiada a uma fraternidade iniciática – os
Custódios do Graal”. Pedra simbólica do mito universal, tal como a pedra de
Jacob, a pedra de Liafail escocesa e a pedra cúbica dos maçons. Assim, o Graal
seria a mensagem secreta nela gravada: a religião sem religiões seguida pela
humanidade primitiva.
b) Santa Lança
Lança com que
o centurião romano Longinus feriu o flanco de Jesus.
Simboliza o
poder espiritual que apenas é concedido aos “puros de coração”, àqueles que se
esquecem se si próprios em uma dádiva total à humanidade, nunca se servindo
desse poder em proveito próprio.
É uma lança
que deve curar e não ferir.
Nas mãos de
Amfortas ele fere, pois é usada para atacar.
Nas mãos de
Parsifal ela cura porque este nunca a emprega para defesa própria nos inúmeros
combates que trava enquanto percorre o mundo. Chega mesmo ao extremo de se
deixar ferir para a proteger.
Está
simbolicamente ligada à cruz. Parsifal descreve com ela o sinal da cruz para
fazer desaparecer Klingsor e o seu castelo.
c) Água – Lago e Fonte Sagrados
A água
aparece em Parsifal simbolizando purificação e renascimento.
É frequente
nas lendas e nos mitos de todo o mundo. A tradição diz que “os mundos nasceram das
águas”.
A imersão (no
batismo) significa um retorno ao nada, seguido da emersão que significa “nascer
de novo”, purificado, para uma nova vida.
No dilúvio há
uma humanidade (época ou civilização) que morre e outra que nasce.
Amfortas
procura curar-se, banhando-se no lago.
Kundry lava o
pés de Parsifal na água da fonte (reminiscência do lava-pés dos apóstolos).
Parsifal
asperge Kundry na fronte, depois de ter sido aspergido por ela (batismo).
d) Bosque Sagrado
É o espaço
sagrado, povoado por animais e plantas, também sagrados, que rodeia o castelo
de Monsalvat.
É através
desse bosque (natureza) que as personagens sobem ao castelo, a caminho da sala
do santo Graal.
Ao longo de
todo o drama, está em perfeita harmonia com o estado interior das personagens:
·
no primeiro ato tem “aspecto severo”,
mas não sombrio;
·
no segundo ato não aparece, dando lugar
ao “Jardim das Delícias” de Klingsor (símbolo do mundo material em oposição ao
espírito);
·
no terceiro ato reaparece em todo o
esplendor de uma manhã de primavera, Sexta-Feira Santa, em que a natureza
transfigurada é purificada da falta de Amfortas e se associa à redenção das
personagens.
e) Castelo de Monsalvat
No Parsifal de Guyot de Provence, é identificado com o
castelo de Montségur e é habitado por cavaleiros templários.
No texto de Wolfram, não há identificação com nenhum
castelo real.
Foi construído por Titurel por ordem de mensageiros
divinos, para abrigar o santo Graal e a ordem dos cavaleiros encarregada da sua
guarda.
Monsalvat (monte da salvação) é o habitáculo do homem
novo e, tal como os outros objetos do mito, não existe materialmente em parte
alguma.
Está dentro do homem, a cujo acesso ele pode estar
habilitado ou não, conforme é ou não suficientemente forte para superar a
matéria.
f) Cisne Branco
Simboliza o espírito.
No lago sagrado, ele confere à água poderes curativos,
com os quais Amfortas tenta aliviar o seu sofrimento.
g) Pomba Branca
Simboliza o Espírito Santo ou espírito de Cristo
(conhecimento iniciático), o mesmo que desceu sobre Jesus no momento em que foi
batizado.
Quando Parsifal celebra o sagrado oficio do Graal, a
pomba desce da cúpula e paira sobre a sua cabeça.
2 – Personagens
a) Parsifal
Redentor redimido, predestinado a ser o Rei do Santo
Graal.
A palavra parsifal
significa “tolo inocente”.
Segundo uma profecia, esse “tolo inocente” que a
piedade tornara sábio, viria um dia a curar a ferida de Amfortas, após ter
percorrido o longo caminho da tentação e do sofrimento.
Sendo inocente, ele ainda não tem a consciência do Bem
e do Mal. Ainda não é virtuoso, porque ainda não venceu a prova da tentação da
matéria nem, tão pouco, foi tentado. Ele é a alma que renunciou à sabedoria do
mundo, mas que ainda procura o caminho para atingir o espírito. Por isso,
parece tolo aos olhos dos outros.
Tão pouco se identifica com o seu semelhante e daí a
sua indiferença perante o sofrimento de Amfortas (humanidade).
Não sabe, todavia, como chegar ao reino do espírito e
mata um cisne sagrado sem sentir remorsos.
A experiência do seu primeiro passo para a
identificação surge quando ouve Kundry chamá-lo pelo nome, recordando a mãe e a
infância.
Quando recebe o beijo de Kundry, torna-se subitamente
lúcido e toma plena consciência da sua identidade e da sua missão redentora,
bem como da sua própria necessidade de redenção.
Nesse momento, sente dentro de si o sofrimento de toda
a humanidade (sofrimento de Amfortas), através de um processo ativo de
compaixão, simultaneamente cristão e búdico.
Essa compaixão não é ilusão emocional, mas sofrimento
real assumido por procuração.
Só a piedade, ativamente assumida, anula, enquanto
“reta ação”, o karma e com ele o ciclo da reencarnação, conduzindo assim à
redenção tanto do redentor como dos redimidos.
É este o processo que Parsifal vai cumprir, começando
por resistir às raparigas-flores do jardim Klingsor e, seguidamente, a Kundry.
Aliás, a própria Kundry começa aqui, quando Parsifal
lhe resiste, isto é, quando resiste à tentação de Klingsor (mundo da matéria).
Após se ter apoderado da santa lança, inicia a viagem
de purificação pelo sofrimento através do mundo, chegando a Monsalvat vários
anos depois, já redimido, piedoso e sábio, pronto a ascender a mestre do Graal
e a redimir Kundry e Amfortas.
Este é o significado da exclamação final: “Redenção do
redentor!”.
b) Kundry
Kundry é uma mulher com duas naturezas opostas: uma,
como servidora do Graal; outra, como escrava de Klingsor, forçada a perturbar e
a tentar os cavaleiros de Monsalvat.
Entre estas duas naturezas, ela permanece adormecida,
sem exercer qualquer atividade e só acorda quando é evocada por Gurnemanz ou
por Klingsor;
Segundo as palavras daquele, ela expia faltas
cometidas em uma outra vida, procurando realizar o seu karma, ajudando os
cavaleiros sempre que está liberta de Klingsor.
A teoria da reencarnação está aqui patente,
corroborada pela túnica de pele de serpente com que Kundry se cobre no primeiro
ato.
Teoria também referente a Parsifal quando ele afirma
que já teve vários nomes mas não se lembra de nenhum.
Kundry é a criatura que faz despertar em Amfortas e em
Parsifal a consciência da necessidade de redenção.
Mais do que o próprio Parsifal, Kundry é a verdadeira
alma-mater da obra. A tremenda luta que trava consigo mesma é o elemento mais
elevado de toda a ação dramática. Culmina com a sua morte, não física mas iniciática,
ritual de passagem para a vida nova,
assumindo assim o símbolo da alma humana que, após oscilar entre o plano
espiritual e o plano material, alcança a perfeição na fusão com o espírito.
c) Amfortas
Amfortas simboliza o homem velho que deve ser
substituído pelo homem novo, Parsifal, porque não foi capaz de vencer as provas
da matéria.
Como Jesus, também ele é ferido no flanco direito e
pela mesma lança (relação mítica coma Paixão).
O cálice que recolheu o sangue de Cristo aumenta-lhe o
sofrimento.
Ele sofre como culpado no meio de inocentes; Cristo
sofre como inocente no meio de culpados.
Amfortas quer salvar-se a si próprio; Cristo quer
salvar a humanidade, morrendo como homem.
A ferida de Amfortas é o símbolo da corrupção no seio
da ordem do Graal; a ferida de Jesus Cristo é o símbolo da Sua inocência.
Apesar de salvo, Amfortas não merece continuar como
mestre.
3 – Outras considerações
Nesse drama estão identificadas as três fases evolutivas
da humanidade:
·
Humanidade triunfante, personificada
pelo poucos cavaleiros guardiões do Graal, que permaneceram puros.
·
Humanidade sofredora (Kundry e
Amfortas), vítima da sedução do mundo ilusório.
·
Humanidade militante, simbolizada por
Parsifal, que luta pela redenção, a própria e a de todos os homens tornados
sábios pelo divino poder da compaixão.
VII – Conclusão
O mito de
Parsifal, conforme pudemos observar, consiste na busca daquilo que o homem tem
de melhor. O Graal simboliza o coração humano e, portanto, o homem interior, o
coração divino que palpita em cada um de nós.
Essa procura,
consciente ou inconscientemente, é a busca de toda a humanidade. De uma maneira
ou de outra, todos queremos alcançar o Graal que subjaze em nosso interior. Esse
é o desafio humano.
VIII – Bibliografia
ESCHENBACH, Wolfram von e Richard Wagner. Parsifal. Editora Nova Acrópole. Lisboa.
1997.
http://www.constelar.com.br/constelar/123_setembro08/signosfixos2.php
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