Os Moralistas - Luís Fernando Veríssimo

Você pensou bem no que vai fazer, Paulo? 
- Pensei. Já estou decidido. Agora não volto atrás. 
- Olhe lá, hein, rapaz... 
Paulo está ao mesmo tempo comovido e surpreso com os três amigos. Assim que 
souberam do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no hotel. A solidariedade lhe 
faz bem. Mas não entende aquela insistência deles em dissuadi-lo. Afinal, todos sabiam 
que ele não se acertava com a mulher. 
- Pense um pouco mais, Paulo. Reflita. Essas decisões súbitas... 
- Mas que súbitas? Estamos praticamente separados há um ano. 
- Dê outra chance ao seu casamento, Paulo. 
- A Margarida é uma ótima mulher. 
- Espera um pouquinho. Você mesmo deixou de frequentar nossa casa por causa 
da Margarida. Depois que ela chamou vocês de bêbados e expulsou todo mundo. 
- E fez muito bem. Nós estávamos bêbados e tínhamos que ser expulsos. 
- Outra coisa, Paulo. O divórcio. Sei lá... 
- Eu não entendo mais nada. Você sempre defendeu o divórcio! 
- É. Mas quando acontece com um amigo... 
- Olha, Paulo. Eu não sou moralista. Mas acho a família uma coisa 
importantíssima. Acho que a família merece qualquer sacrifício. 
- Pense nas crianças, Paulo. No trauma. 
- Mas nós não temos filhos! 
- Nos filhos dos outros, então. No mau exemplo. 
- Mas isto é um absurdo! Vocês estão falando como se fosse o fim do mundo. 
Hoje, o divórcio é uma coisa comum. Não vai mudar nada. 
- Como, não muda nada? 
- Muda tudo! 
- Você não sabe o que está dizendo, Paulo! Muda tudo. 
- Muda o quê? 
- Bom, pra começar, você não vai poder mais frequentar as nossas casas. 
- As mulheres não vão tolerar. 
- Você se transformará num pária social, Paulo. - O quê?! 
- Fora de brincadeira. Um reprobo. 
- Puxa. Eu nunca pensei que vocês... 
- Pense bem, Paulo. Dê tempo ao tempo. 
- Deixe pra decidir depois. Passado o verão. 
- Reflita, Paulo. É uma decisão seriíssima. Deixe para mais tarde. 
- Está bem. Se vocês insistem... 
Na saída, os três amigos conversam: 
- Será que ele se convenceu? 
- Acho que sim. Pelo menos vai adiar. 
- E no solteiros contra casados da praia, este ano, ainda teremos ele no gol. 
- Também, a ideia dele. Largar o gol dos casados logo agora em cima da hora. 
Quando não dava mais para arranjar substituto. 
- Os casados nunca terão um goleiro como ele. 
- Se insistirmos bastante, ele desiste definitivamente do divórcio. 
- Vai aguentar a Margarida pelo resto da vida. 
- Pelo time dos casados, qualquer sacrifício serve. 
- Me diz uma coisa. Como divorciado, ele podia jogar no time dos solteiros? 
- Podia. 
- Impensável. 
- Outra coisa. 
- O quê? 
- Não é reprobo. É réprobo. Acento no "e". 
- Mas funcionou, não funcionou? 



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