Portões de Fogo - Steven Pressfield



Diálogo entre Leônidas (Rei de Esparta) e Paraleia (Mãe de Alexandros e esposa de Olympieus - ambos convocados para se juntarem aos Trezentos que foram para as Termópilas - para resistir e morrer pelo país).

"A senhora me odeia? - perguntou Leônidas. -- Se eu fosse a senhora, odiaria. As minhas mãos estariam tremendo de uma fúria difícil de controlar. -- Venha, filha, sente-se do meu lado.

-- A cidade especula e imagina - falou Leônidas - por que escolhi esses homens para os Trezentos. Teria sido por suas proezas como soldados? Talvez, a cidade supõe, eu tenha adivinhado alguma alquimia sutil nesse grupo único. Talvez eu tenha sido subornado ou esteja pagando favores. Nunca direi à cidade por que designei esses Trezentos. Nunca contarei aos Trezentos. Mas contarei a você, agora.

-- Escolhi-os não por seu valor pessoal, mas pelo valor de suas mulheres.

Um grito de angústia escapou do peito de Paraleia aos escutar tais palavras e ao compreender, antes de ele terminar, o que diria.

-- A Grécia está atravessando o seu momento mais perigoso - continuou Leônidas. -- Caso se salve, não será nos Portões - lá, nos aguarda somente a morte, a nossa e a dos nossos aliados - mas depois, nas batalhas que se seguirão, por terra e por mar. Então, a Grécia, se assim for a vontade dos deuses, se preservará. 

-- Quando a batalha terminar, quando os Trezentos estiverem mortos, toda a Grécia se voltará para os espartanos, verá como resistiram.

-- Mas para quem, senhora, os espartanos se voltarão? Para vocês. Para as esposas, mães, irmãs e filhas dos mortos.

-- Se eles contemplarem seus corações dilacerados, partidos de dor, os deles também se partirão. E a Grécia com eles. Mas se vocês resistirem, não somente os olhos secos, à aflição da perda, mas desacatando a agonia e a abraçando como uma honra (o que ela é na verdade), então Esparta resistirá. E toda a Hélade a seguirá. 

-- Por que a escolhi para sofrer a mais terrível das provações, e escolhi suas irmãs dos Trezentos? Porque vocês podem.

Nesse momento, Paraleia não mais agüentou e disse:
-- E é essa a recompensa da virtude das mulheres, Leônidas? Serem atormentadas duplamente, suportarem um duplo sofrimento? 

Então, a rainha Gorgo estendeu a mão, oferecendo-lhe ajuda. Mas Leônidas interveio:
-- A minha mulher estendeu-lhe a mão para transmitir com o seu toque o conhecimento do fardo que ela carregou sem queixa durante toda a vida. Pode ser negado a ela simplesmente ser a mulher de Leônidas, mas será sempre a esposa da Lacedemônia. Agora, esse papel também lhe cabe, senhora. Deixará de ser a esposa de Olympieus ou a mãe de Alexandros, mas deverá servir como esposa e mãe de nossa nação. A senhora e suas irmãs dos Trezentos são, agora, as mães de toda a Grécia, e da própria liberdade. É um dever árduo, Paraleia, para o qual convoquei a minha amada esposa, a mãe dos meus filhos, e agora também a convoco. Diga-me, eu estava errado?

Assim como o fogo de uma queimada consome a si mesmo e, por fim, deixa de chamejar, a dor de repente se esvaiu do coração de Paraleia. Uma paz indulgente a penetrou, como uma dádiva proporcionada não somente pelo abraço forte que Leônidas agora oferecia, mas oriunda de uma fonte ainda mais profunda, inefável e divina. A força retornou aos seus joelhos e a coragem ao seu coração. 

Levantando-se, enxugou os olhos e disse:
-- Essas foras as últimas lágrimas, meu senhor, que o sol viu correr por meu rosto..."

Steven Pressfield

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